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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

23
Dez24

Boas festas

Maria do Rosário Pedreira

Chegou por fim aquela altura do ano em que parece que a maioria dos portugueses, cristãos ou não, fazem uma pausa de pelo menos uma semana para se encontrarem com as respectivas famílias, trocarem presentes, se encherem de bacalhau, sonhos (estou a falar dos doces) e bolo-rei e meterem combustível para o ano novo que quase nunca promete ser melhor do que o anterior. E eu não fujo à regra, pelo que este post é para vos agradecer terem estado mais este ano aqui no salão das Horas Extraordinárias (que já é um blog adolescente, vai fazer 15 anos em 2025) e para vos desejar que passem estes últimos dias do ano com muita saúde, com tranquilidade, sem tempestades de qualquer espécie, com pessoas de quem gostem e, claro, com os vossos e nossos livros. Eu volto dia 2 de Janeiro ao batente e espero que no ano que se aproxima os resistentes regressem também. Não podemos deixar de cuidar dos livros e das leituras. Boas festas e um excelente 2025!

20
Dez24

Vaidade

Maria do Rosário Pedreira

Nós, editores, lidamos quase todas as semanas com os egos dos autores (que, ainda por cima, nem sempre são proporcionais ao seu génio ou talento). Aconteceu-me muito ao longo da minha vida profissional serem os escritores mais inexperientes os que mais se indignavam com uma simples emenda, e isto para dizer que muitos dos grandes autores percebem logo que falharam e até ficam gratos por termos dado com o erro ou a distracção. O Manel contou-me que há muitos anos, quando Lobo Antunes começou a publicar na Dom Quixote e lhe encontravam aqui e ali coisas que pareciam não bater certo, não só ele concordava como dizia logo aos editores que corrigissem, nem queria ser ele a ter esse trabalho. Mas às vezes também os consagrados mostram ter egos insuportáveis e, quando o Manel era ainda um jovem, no fim de uma reunião de trabalho, um desses grandes poetas que Portugal já teve entregou-lhe, à laia de presentinho, um bilhete de eléctrico já usado. Não percebendo o que fazer com aquilo, o Manel atreveu-se a perguntar para que era, ao que o génio respondeu que se tratava de uma coisa que ele próprio utlizara numa viagem e que, portanto, teria o seu valor. Que ego, não?... Verdade seja dita que o bilhete foi deitado ao lixo nesse mesmo dia, mas, pensando no post de ontem, será que, se fosse hoje, alguém o poria à venda no OLX, dizendo tratar-se de um bilhete com que viajara fulano de tal?

19
Dez24

Ele há coisas

Maria do Rosário Pedreira

A vida não está fácil. Os sem-abrigo que, segundo me lembro, eram uma prioridade para o nosso Presidente, não diminuem, pelo contrário, estão a aumentar; e costumo ver alguns com a cabeça enfiada nos caixotes de lixo à minha porta, até porque a frutaria aqui ao lado deita fora muita coisa que está demasiado feia ou madura para ser vendida, mas que ainda se pode comer. No entanto, há quem ande no lixo por outras razões, e o jornal Público de dia 8 de Dezembro contava a história de um operário que, vejam lá, encontrou no lixo documentos anteriores à nacionalidade. É muito provável que o antigo dono fosse um coleccionador recentemente falecido e que a família, ansiosa por esvaziar a casa, tivesse posto no lixo aquela "papelada", desconhecendo tratar-se de algo precioso. O operário Mário Rui Ferreira,  numa rua da Figueira da Foz, encontrou então há uns anos uns maços de jornais antigos muito arrumadinhos, coisas que lhe pareceram do tempo da Revolução, e resolveu guardá-los numa garagem. Foi só, porém, quando teve de abandonar o local porque o senhorio precisou dele que olhou melhor para aquelas pilhas de jornais e viu que entre as páginas havia, afinal, documentos com... mais de mil anos! Ainda tentou vendê-los na OLX, e foi aí que, por sorte, encontrou do outro lado uma conhecedora séria que percebeu que se tratava de um conjunto documental raro e valioso. A senhora pediu para ver os documentos, avaliou-os e hoje está tudo, para consulta, na Torre do Tombo. Presumo que o senhor Mário Rui Ferreira nunca mais deixou de olhar para o lixo com olhos de ver e que enfie muitas vezes o nariz nos caixotes de lixo. Mas, graças a Deus, por boas razões.

18
Dez24

Mil Camões?

Maria do Rosário Pedreira

Cada um tem o seu Camões, claro, e eu, que sou de certeza para quem me conhece uma adoradora da lírica, amei Os Lusíadas quando os estudei, apesar da divisão de orações que nesse tempo nos obrigavam a fazer; e amei-os não apenas pelo assunto, pela aventura, pela História, pelo Velho do Restelo com quem sinto cada vez mais afinidades, mas por uma enorme admiração por um homem que era capaz de fazer aquilo tudo a rimar e em decassílabos perfeitos. Camões é cantado por vários fadistas, sobretudo Amália, que chocou muita gente quanto se atreveu a isso. E disso falarei qualquer dia num programa que já começou a ser exibido, Mil Vezes Camões, e que  vos recomendo ver do início, pois os episódios que já passaram foram muito bons: com a biógrafa do grande poeta, Isabel Rio Novo; com o Miguel Esteves Cardoso (num jardim com gato e lagartixa à mistura); com o académico e escritor Frederico Lourenço, que falou das influências do maior poeta nacional. Quem os entrevista é Jorge Reis-Sá (e faz bem o seu papel, além de ser quem teve a ideia) e quem realiza é Ricardo Espírito Santo (não, o nome é só uma coincidência, podem ficar descansados). Passa na RTP 3, aos sábados, às 18h45 ou lá perto. É informativo, entretém e passa a correr. Não percam.

17
Dez24

Entrevistas

Maria do Rosário Pedreira

Os livros de entrevistas estão na moda e enchem salas nos dias dos lançamentos (alguns até têm, ao que parece, um número limitado de convites). Ora se trata de uma só entrevista, como a que foi feita a Ramalho Eanes pela popular jornalista Fátima Campos Ferreira, ora das cinquenta ou mais entrevistas de Maria João Avilez para celebrar os 50 anos da Revolução, que incluem entrevistados como o nosso Presidente da República, António Barreto, Cavaco Silva, António Vitorino, Artur Santos Silva ou Manuel Braga da Cruz, entre muitos outros (e não esquecer que esta jornalista já tinha publicado há muitos anos um livro que juntava todas as entrevistas que fizera a Cunhal). Mas, fora as declaradamente políticas, temos as entrevistas dos podcasts transcritas em livro, como é o caso feliz de A Beleza das Pequenas Coisas, de Bernardo Mendonça, que inclui cinquenta conversas com personalidades tão distintas como Alexandre Quintanilha, Maria Filomena Mónica, Celeste Rodrigues, Artur do Cruzeiro Seixas, Capicua, Maria Teresa Horta ou Dulce Maria Cardoso. Isto para dizer que, na sequência do meu post de ontem, se estão sem saber o que oferecer a alguém, quem sabe se a solução não continua a ser um livro? De entrevistas, porque não?

16
Dez24

Presentes

Maria do Rosário Pedreira

O Natal aproxima-se a passos largos e parece que mesmo quem se portou mal terá direito a presente, porque na verdade portar-se bem é uma coisa excepcional, e o mercado exige que haja presentes de Natal. No canal de rádio que ouço, a APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros) recomenda que ofereçamos livros, e livros há-os para todas as idades e todos os gostos. Curiosamente, um dos nossos mais lidos e vendidos semanários tinha um destes dias um guia de prendas (quiçá era patrocinado e eu nem reparei); mas fiquei um bocado desiludida com as sugestões, porque ao lado de montanhas de roupas, relógios, gadgets, CD e umas quantas inutilidades (parte das quais caríssimas), havia uns meros quatro livros numa página, ainda por cima a maioria estrangeiros e do tipo coffee-table book, e no fim outros quatro, esses já em português, mas, sinceramente, muito pouco representativos do que poderia ser um bom presente para nós, leitores inveterados. Ó senhores, acham que ler é obrigação, e não prazer, para porem lá aquela meia-dúzia tão mal escolhida e quase disfarçada? Por favor, ouçam rádio e aprendam: não há melhor presente do que um livro! Eu este ano, entre outros, vou oferecer o romance maravilhosamente humano Como Construir Um Barco, de Elaine Feeney, os Taludes Instáveis, de José Carlos Barros, o Visitar Amigos e outros Contos, de Luísa Costa Gomes, e outros que não posso dizer aqui, porque vão para quem também lê o blogue.

13
Dez24

Excerto da quinzena

Maria do Rosário Pedreira

Nunca cheguei a dizer ao meu avô que o facto de hoje ser biólogo se lhe deve em boa parte. Deixou-nos quando eu tinha 14 anos, talvez demasiado cedo para assimilar por completo os seus ensinamentos. Como gostaria, se ele estivesse entre nós, de esgrimir argumentos e observações com ele sobre esse tema sem fim que é o mundo vivo. E, nos intervalos dessas coversas, talvez ver uma partida de ténis ou de snooker, comer um bom cozido à portuguesa. Nada relativo ao ser humano ou à natureza lhe era estranho, pois era capaz de ver o belo em tudo, até em coisas tidas como mundanas para um intelectual, como o desporto. Contento-me agora com a leitura dos seus livros e ensaios e com memórias felizes como o dia em que me introduziu a Júlio Verne e à sua Ilha Misteriosa, adivinhando que teria o mesmo prazer com as leituras da sua adolescência. Agora que releio os seus livros, imagino-me conversando com ele, discordando dele até mais vezes do que estaria à espera. No fundo, estou eternamente grato pela maior herança que me deixou, o segredo do prazer da vida: a curiosidade.

 

António Ovídio Baptista Vaz Pato, prefácio a A Ciência no Grande Teatro do Mundo, de António Manuel Baptista

12
Dez24

Menos é mais

Maria do Rosário Pedreira

Quando era miúda, a minha mãe contava às vezes uma espécie de anedota sobre uma professora que pedia aos alunos que escrevessem uma história de vida, mas que poupassem nas palavras, pois não queria ter de ler biografias muito longas. Então, um dos seus alunos mais preguiçosos resolveu o problema tão fantasticamente que ela acabou por lhe dar a nota máxima. O seu texto resumia-se à seguinte frase: "Nasceu morto." Sim, uma vida em duas palavrinhas e está lá tudo. O escritor hondurenho Augusto Monterroso (1921-2003) ficou muito popular no seu tempo por ter escrito um dos mais pequenos contos da literatura universal, que rezava assim: "Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá." É incrível a tensão desta frase e tudo aquilo que pode levar-nos a pensar; o sururu à volta deste atrevimento do autor foi tal que o conto acabou por inaugurar um género chamado "microficção" para o qual colaboraram grandes escritores de todas as latitudes nos anos seguintes. García Márquez, por exemplo, teve a sua expriência com esta história:

Uma criança de cerca de cinco anos, que se perdeu entre a multidão de uma feira, aproxima-se de um polícia e pergunta-lhe: "O senhor não viu, por acaso, uma senhora sem uma criança como eu?"

Riu-se, não riu? Foi também atribuído ao norte-americano Ernest Hemingway um mini-conto que é o mais impressionante de todos quantos li até hoje, pois é incrível (e terrível) como se consegue dizer tanto com tão poucas palavras:

"Vendem-se botinhas de bebé, nunca usadas."

Menos às vezes é mais. Se conhece outros bons como estes, e assim pequenos, partilhe.

 

11
Dez24

Os intelectuais

Maria do Rosário Pedreira

Um dia, o escritor norte-americano Richard Zimler, que vive em Portugal há muitos anos, contou-me que quando chegou, ainda bastante novo, à Europa, sentiu que podia respirar fundo em muitos aspectos (a América do seu tempo era terrivelmente puritana e atrasada, apesar de Woodstock e outras modernices); e que, entre outras coisas, no Velho Continente chamar intelectual a alguém era, de certa forma, um elogio, enquanto nos EUA funcionava (e funciona) quase como um insulto (alguém que só pensa e não faz nada? bah). Lembrei-me disto a propósito de um encontro a que fui recentemente em São Miguel e que celebrava o Centenário da Visita dos Intelectuais (a viagem de uma série de personalidades do Continente que foram visitar as ilhas em 1924, supostamente para as elogiarem no regresso em livros e artigos e conseguirem para o arquipélago uma atenção que ele infelizmente não tinha); mas desta história, que tem muitos pontos que vale a pena desenvolver, falarei mais tarde, com tempo; o que hoje me inquieta é saber que, cem anos depois, lá como cá, sempre que os políticos precisam, os intelectuais são chamados a reuniões para darem opiniões num disfarçado ou descarado pedido de apoio; mas depois, quando se ganham eleições e se constituem governos locais ou nacionais, a Cultura fica geralmente para trás, mal servida de dinheiros e sem ver quase nada dos seus projectos realizados. Coisas que não mudam num século e que se calhar não mudarão.

10
Dez24

Um prémio póstumo

Maria do Rosário Pedreira

Na sexta-feira passada, estava eu a tentar recuperar de um ataque de sinusite, daqueles que nos imobilizam até tomarmos o segundo comprimido de antibiótico (ataque contraído uma vez mais por causa da temperatura estupidamente gelada do avião que me trouxe de Ponta Delgada), quando me vieram dizer que o poeta Nuno Júdice tinha vencido o Prémio Oceanos com o seu livro Uma Colheita de Silêncios. Já sabia, claro, que o livro era finalista do galardão, mas pareceu-me que o júri teve uma grande coragem em entregar o prémio a alguém que já não o pode agradecer, mesmo quando a intenção era premiar o melhor, porque é um gesto bastante raro e geralmente os organizadores dos prémios gostam mais de ter o vencedor presente na festa (para ser entrevistado e aparecer nos jornais e televisões). Sei que o nosso querido Nuno ficaria felicíssimo com mais esta distinção e que nos daria a notícia com aquele seu sorriso inesquecível; para ele, seria apenas mais um prémio internacional (para quem ganhou uma data deles, enfim), mas para nós, amigos e leitores, é importante saber que o seu último livro publicado em vida foi acariciado depois de tantas homenagens importantes e antes de outras que o nosso poeta merecia mas não poderá já ter. Mando, assim, um abraço a quem deu o prémio e saudades para quem o venceu.

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