Hoje estarei na Fundação José Saramago pelas 18h30 para dizer poemas e serão muito bem-vindos se quiserem aparecer, sobretudo porque não serei a única convidada. A iniciativa deve-se à poetisa colombiana Lauren Menindueta, residente em Portugal, no âmbito dos Encontros Ibero-Americanos de Poesia e Música (de que é curadora no ano 2025), numa organização conjunta da Fundação com a Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, Ciência e Cultura. Estarão comigo a poetisa Rosa Alice Branco, que vive no Porto, e o poeta Felipe García Quintero, que vem da Colômbia. Reúnem-se a nós depois os músicos Edouard Rambourg (saxofonista) e Nuno Rocha (na guitarra), pelo que além da música das palavras haverá música a sério. Apareçam.
Desde há algum tempo que me venho queixando dos médicos, sobretudo em termos humanos. Por causa de uma dor terrível na anca, fui consultar um especialista que me indicaram, catedrático e tudo. Além da espera (já não se usa), quando entrei na sala e me preparava para contar a minha história, o senhor, sem sequer me cumprimentar, perguntou: «É para operar?» E disse-me que, se quisesse ser operada, teria de aguardar três meses, passando-me para a mão umas fotocópias que falavam da recuperação de seis semanas e tinham o telefone da secretária para eu lhe ligar se quisesse marcar a cirurgia. Viu-me? Não. Ouviu-me? Tão-pouco. Fez perguntas? Nem pensar nisso. Limitou-se a olhar para uma radiografia à bacia que eu fizera umas horas antes e a dizer que eu nem estava assim tão mal. Não volto lá, evidentemente, mas o problema é que não foi o primeiro caso. Antes tinha sido operada à coluna duas vezes por causa da mesma dor, e afinal o problema era a anca. Acho que os médicos estão a precisar de umas horas de Humanidades a ver se se tornam mais humanos... E são bons sinais desde logo as aulas de Poesia que o Prémio Pessoa João Luís Barreto Guimarães (ele próprio médico) dá no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (de que já aqui falei); mas também a conferência de Martim Sousa Tavares que a empresa DST (uma empresa de construção que tem dado passos muito importantes na formação cultural e promove anualmente um prémio literário) organizou no Hospital de Braga sobre a forma como a arte e a cultura podem influenciar positivamente as comunidades e como, no fundo, uma orquestra é o exemplo de uma organização: há alguém que rege, mas são os músicos que fazem o trabalho. Parabéns à DST pela iniciativa e um apelo às empresas para que sigam estes exemplos e vão aos hospitais tornar os profissionais gente melhor, em quem nós, doentes, possamos realmente confiar.
Houve alturas em que Anna acreditou na igualdade que recompensa independentemente do género, «que não quer saber se usas maquilhagem ou como são as tuas pernas». Mas depois, como muitas raparigas e mulheres, sentia necessidade de ser vista e de se sentir especial. E, perante os olhares, as mãos e as palavras dos homens, não conseguia deixar de ceder, embora dividida entre o desejo de se mostrar e o pavor de o fazer. E agora, que dá aulas num mestrado em jornalismo, dá por si a discutir o legado do #MeToo com muitas jovens, enquanto pensa em todas as vezes que cedeu. Quantas interpretações damos à palavra «consentimento»? Quando é que podemos ter a certeza de que um «sim» não esconde uma hesitação? Anna procura culpados, mas não tem a certeza de se poder considerar uma vítima. Terá de se perdoar a si mesma, olhando para dentro de si com coragem e sinceridade, para se poder aceitar e seguir em frente? Em todo o caso, continua à espera de que lhe peçam desculpa. Proposto ao prestigiado Prémio Strega, Continuo à espera de Que Me Peçam Desculpa é um romance extremamente actual sobre como às vezes só muito tarde as mulheres percebem como sofreram abusos. Com a curiosidade e a inteligência que caracterizam a sua escrita, Michela Marzano convida-nos a reflectir acerca da relação ambígua que temos com os outros e com o nosso próprio corpo.
Amigos Extraordinários, preparem-se porque vêm aí mais umas Correntes d'Escritas, esse encontro que se transformou na maior festa de línguas ibéricas de Portugal. O programa já foi anunciado e deixo uma ligação abaixo para consulta; mas, como sempre, multiplicam-se autores e actividades, que vão desde as conversas nas mesas, que acontecem diariamente no teatro, desta vez com as intervenções norteadas por nomes de pinturas célebres que servem de mote, até à conferência de Helder Macedo sobre Camões, às sessões da peça A Casa, que esgota um número incrível de sessões todos os anos, às exposições, aos filmes e concertos, e também às idas a escolas. Este ano vou lá passar os dias todos pois tenho cinco autores presentes: Nicolau Santos, de quem publiquei Amarelo Tango em Setembro do ano passado; David Machado, de quem publico ficção para crianças e adultos e cujo livro mais recente é Os Dias do Ruído; José Carlos Barros, cuja antologia Taludes Instáveis é imperdível; e ainda dois autores que vão à Póvoa de Varzim lançar os seus romances em primeira mão: o venezuelano exilado em Málaga Rodrigo Blanco Calderón com o livro Simpatia, e a cantora Luísa Sobral, que se estreará na ficção com Nem Todas as Árvores Morrem de Pé. Haverá ainda o Prémio Literário, este ano para a poesia. Vejam o programa e organizem-se. No dia 19 inauguram-se mais umas Correntes e seria óptimo assistirem.
Tenho lido muito mais livros de autores estrangeiros do que de portugueses nos últimos tempos. Eu, que andava sempre atrás de tudo o que saía de novos autores, tenho uma boa lista de literatura portuguesa em atraso, nem sei explicar bem porquê. Mas agora, para me redimir, ando a ler um livro que me foi oferecido pela própria autor, Djaimilia Pereira de Almeida, de quem fui editora quando se estreou com o excelente Esse Cabelo. A esse livro que era um híbrido de ficção e autobiografia sucedeu o vencedor do Prémio Oceanos (Luanda, Lisboa, Paraíso), que era talvez mais próximo de uma ficção tradicional, e houve mais uns quantos livros pelo meio com géneros difíceis de definir, mesmo que um deles tenha ganho o Prémio de Romance e Novela da APE (Toda a Ferida É Uma Beleza). Este novo livro intitula-se O Livro da Doença e, embora não lhe possamos obviamente chamar ensaio, não é também ficcional, partindo, aliás, da morte algo inesperada e prematura do pai da autora e do facto de este dizer que andava a escrever um livro (que nunca foi, porém, encontrado); desse ponto de partida chegaremos a muitos outros lados, como uma fase em que a própria autora esteve doente ou a história de um rapaz chamado Fidel que foi mais ou menos adoptado pela família, para regressarmos depois ao pai e ao seu livro inexistente, mesmo que muitíssimas vezes referido pelo próprio. O de Djaimilia existe é um livro de grande maturidade, com um estilo marcante que é só dela, de alguma forma um livro que se pode considerar difícil, mas que, chegando a ele, é maravilhoso. Se não conhecem a autora, espreitem-na.