Quem trabalha com livros ouve muitas vezes as pessoas que gostam de ler invejarem o seu trabalho, como se passássemos os dias exclusivamente a ler coisas boas. Muitas memórias de editores de todo o mundo explicam que não é bem assim, até porque há muitas outras tarefas que realizamos (e quantas delas chatas ou burocráticas...), cursos que somos obrigados a fazer (ai, já enjoei tanta cibersegurança!), leituras que só apetece amachucar e meter no lixo e, claro, se não publicarmos apenas traduções, ainda temos... os autores, que podem ser fáceis e amorosos, indiferentes e pouco empáticos, ou insuportáveis, exigentes e conflituosos. É disto tudo que falam as memórias do meu excelso marido, Manuel Alberto Valente, no livro O Outro Lado dos Livros, que inclui as crónicas que o semanário Expresso publicou ao longo de alguns anos e que agora se reúnem com mais umas coisas num volume independente que a Quetzal deu à estampa e chegou às livrarias na semana passada. O lançamento será segunda-feira próxima, às 18h30, na Livraria da Travessa, e se quiser saber como arranjar um linguado a Paul Auster ou comprar direitos de um romance numa casa de banho de um restaurante, entre muitas outras histórias, este é o livro ideal para quem quer saber o que é a profissão de editor.
Foi ontem, 28 de Maio, o dia (bem) escolhido para apresentar um novo livro. Chama-se O Estado Novo em 101 Objetos e assina-o a jornalista Fernanda Cachão, que nasceu no tempo cinzentão de Marcello Caetano ao leme. A apresentação, que aconteceu na Livraria Buchholz em Lisboa, foi do jornalista Adelino Gomes, um dos jornalistas que fizeram a reportagem do 25 de Abril de 1974 sentado num tanque e tem sempre histórias incríveis para contar, incluindo sobre «Uma Montra da Ditadura Portuguesa», que é, não por acaso, o subtítulo deste livro de que hoje vos falo. Da fivela do cinto que fazia parte do uniforme da Mocidade Portuguesa, ao serviço de loiça Vista Alegre usado nos voos de primeira classe da TAP, passando obviamente por cartas, documentos e tantas outras coisas, a autora conta-nos, em textos independentes, o papel destes 101 objectos que constituíram, no fundo, a vida portuguesa ao longo dos anos do Estado Novo. Estou em crer que muita gente vai querer espreitar...
Nuno Artur Silva (entre outras coisas, fundador das Produções Fictícias), que há dias lançou Erros Meus, a sua Poesia Incompleta, na Imprensa Nacional, tem um programa de rádio semanal na TSF chamado A Escuta do Mundo, no qual conta sempre com dois convidados. Estes falam do que andam a fazer (são geralmente pessoas ligadas às artes), além de partilharem com os ouvintes o que andam a «escutar» (não necessariamente discos, é uma metáfora), e regra geral comentam também o que passa no mundo. Parafraseando Saramago em O Ensaio sobre a Cegueira, Nuno Artur Silva inicia o seu programa com o conselho: «Se puderes ouvir, escuta. Se puderes escutar, atenta.» Ora, este programa (descobri agora) tem também uma espécie de versão mensal no El Corte Inglés, em que o seu autor reflecte sobre os principais acontecimentos do mês em jeito de conferência; e tenho razões para acreditar que hoje às 18h30 a sessão vai ter sumo e dar que falar, tendo em conta sobretudo os recentes resultados eleitorais. Se estiver interessado em escutar e atentar, mais logo pode ouvir o mundo pela voz de um criativo que gosta muito de pensar nas coisas.
Na semana passada, a Ministra da Cultura concedeu dez medalhas de Mérito Cultural numa só manhã e nem se pode dizer que fosse por vir aí um governo de outro sentido, porque a AD ganhou as eleições com grande vantagem e, além disso, as pessoas condecoradas, se não o foram antes, já mereciam há muito tempo o reconhecimento dado agora. Entre elas, estiveram Pedro Sobral e Augusto M. Seabra, que receberam a medalha a título póstumo; mas também o grande fotógrafo Alfredo Cunha, que nos deu as melhores fotografias do 25 de Abril (de resto, publicadas em livro); o incrível cenógrafo José Manuel Castanheira, de um bom gosto incrível e sempre tão discreto; a incansável Manuela Júdice, que foi quem «levantou» a Casa Fernando Pessoa e hoje dirige a Casa da América Latina, depois de comissariar uma data de feiras do livro no estrangeiro; e bem assim os artistas plásticos José de Guimarães e Emília Nadal, a actriz São José Lapa, o oleiro Querubim Rocha e (uma pessoa de quem nunca tinha ouvido falar, mea culpa) António Carmelo Aires, que descobri ser um guardião muito especial da arte pastoril alentejana. Parabéns a todos!
Amanhã sai para o mercado o novo romance de Isabel Rio Novo, A Matéria das Estrelas, que tem que se lhe diga, até porque repesca uma personagem de um outro romance, mas não dela, que também publiquei: A Boneca Despida, de Paulo M. Morais. Fala, pois, do guarda-marinha Jacinto da Silva Fernandes, que não comparece à chamada do navio-patrulha Flamínio, pronto a largar do porto de Ponta Delgada, sendo mais tarde encontrado pelos colegas deitado por terra, inanimado, na casa que arrendava. O trágico e misterioso incidente suspende o percurso de um jovem cujas qualidades e aspirações pareciam talhá-lo para a carreira dos mares, marcando o início de uma investigação conduzida por Eduardo, médico e familiar dos Silva Fernandes, que traçará a história de Jacinto, desde a sua infância até à sua sobrevivência como deficiente, passando pelos dias anteriores ao incidente. Revolvendo os indícios deixados pelo jovem (fotografias, cartas, livros, amigos) na ânsia de encontrar respostas, Eduardo confrontar-se-á com segredos abafados e revelações dolorosas. E compreenderá que, mais do que a procura da verdade sobre Jacinto, está no fundo a conduzir uma pesquisa existencial. «Obra de um notável fôlego narrativo», servida por «uma linguagem apuradíssima», segundo o júri que o agraciou com o Prémio Literário Cidade de Almada em 2024, o romance A Matéria das Estrelas traz o registo inconfundível de uma das grandes vozes da literatura portuguesa contemporânea.
A vilegiatura marítima começa em Monte Gordo num período de crise para os pescadores locais. É certo que nunca lhes pertenceram os meios de pesca, nem as embarcações nem as redes de arte, e que os tempos, portanto, nunca foram de abundância. Mas aí, nas xávegas, sempre tiveram lugar como parceiros ou como contratados. Acontece que a xávega tem os dias contados, ameaçada pelas armações de sardinha, pelos cercos e galeões, as parelhas de arrasto espanholas, práticas predatórias a desviar ou a delapidar os cardumes, a destruir os fundos marinhos. Não vai longe o tempo em que o Capitão do Porto de Vila Real de Santo António se lamentava de a indústria piscatória se encontrar limitada à pesca da sardinha com xávegas, quando era tanta, e inaproveitada, a riqueza destes mares. Pois agora, na década de 1890, com os cercos a apanharem os cardumes de pelágicos antes de estes se aproximarem da costa, com anos sucessivos de arrastos predadores a destruir os fundos marinhos, o pobre aglomerado "decai a olhos vistos pela escassez da pesca da sardinha", com as poucas Barcas ainda em actividade a fazerem lanços miseráveis.
José Carlos Barros, Os Filhos de Monte Gordo, Fundação Francisco Manuel dos Santos
Calhou este ano publicar, com um intervalo de apenas três meses, dois romances que venceram o mesmo galardão, o Prémio Literário Cidade de Almada, embora em anos diferentes. Como o segundo ainda não está disponível (os lançamentos no Porto e em Lisboa serão, de resto, em junho), volto a falar do segundo, pois mais logo haverá na FNAC da Avenida de Roma, em Lisboa, uma conversa à volta dele, depois de já termos feito uma apresentação na Livraria Poetria no Porto, de onde a autora é natural. Falo de Sara Brandão Duarte e do seu Quem Tem Medo dos Santos da Casa, que foi escolhido por um júri que incuía outra autora de quem publiquei os primeiros títulos, Ana Margarida de Carvalho, e o professor Manuel Frias Martins. Passa-se numa pequena comunidade piscatória muito crente e fala de um padre que teve a coragem de mandar talhar em madeira uns santos bem modernos a que os paroquianos, claro, torceram o nariz. A autora falará disto e de muito mais com a jornalista do Público Carolina Branco às 18h30. Venham ouvir.
P. S. Aproveito para dizer que no mesmo local e à mesma hora, o escritor Nuno Duarte, vencedor do Prémio LeYa, estará amanhã a conversar com o jornalista Luís Ricardo Duarte, do Jornal de Letras.
Sintra tem uma paisagem singular, mas é, além disso, um lugar mágico que facilmente se presta ao esoterismo e tem muitos admiradores, sendo estudado por filósofos e apreciado por escritores, como era o caso, por exemplo, de Maria Gabriela Llansol. Com o apoio da Câmara Municipal de Sintra, a Alagamares, uma instituição cultural sintrense, vai, nos próximos dias 29 e 30 de maio, organizar na Biblioteca Municipal de Sintra o VIII Encontro de História de Sintra, que contará com oito comunicações originais, da autoria de Carlos Manique, Fernando Morais Gomes, Renato Epifânio, Teresa Caetano, Duarte Arnaud, Nuno Miguel Gaspar, Liberto Cruz e João Rodil. Para os participantes, está ainda prevista uma visita ao Paço da Ribafria na Vila de Sintra, pelo que, se gosta de Sintra e está interessado em aprender, inscreva-se pelo endereço alagamaressintra@gmail.com porque os interessados são sempre muitos e os lugares limitados.
Há quem pense que as histórias para crianças são sempre a brincar, mas acabo de publicar, com a chancela da Caminho Infantil, Uma História a Sério, da dupla sempre vencedora David Machado (texto) e David Pintor (ilustração). É uma delícia porque apanha os pais mergulhados em jogos digitais, vídeos e mensagens, em vez de deitarem um olho ao que os filhos andam a fazer, o que obriga a filha a satisfazer o pedido do irmão mais novo de lhe contar uma história quando devia era estar a fazer os trabalhos de casa. Mas ela é tão boa a contar histórias que de repente as suas palavras ganham vida e a história, em vez de imaginada, é a sério, com um urso enorme a bater à porta de casa e a perseguir os irmãos. Todos os maus se juntam às personagens, e há ladrões, piratas, feras e muito mais perigos, até que a mana finalmente se cala e regressam os dois a casa exaustos, encontrando os pais exactamente como os deixaram: entretidos com a porcaria dos telemóveis, como se nada se tivesse passado. Um livro mesmo bom, mesmo a sério. Até os adultos gostam.
Há uns anos, não muitos, descobri uma autora irlandesa belíssima, sobre cujos livros certamente já escrevi no blogue. O primeiro que li chama-se Hamnet e fala da morte de um filho de Shakespeare com um surto de peste, bem como das consequências dessa tragédia na vida da mãe e também na obra do pai-poeta. O segundo tem por título Retrato de Casamento e por protagonista Lucrezia d' Medici, uma jovem que nunca gostou dos jogos da Corte e é de repente obrigada a casar-se com o duque de Ferrara e a dar-lhe um herdeiro, senão... A autora de que falo é Maggie O'Farrell, que vale mesmo a pena acompanhar, e li ainda da sua pena recentemente um romance mais antigo, A Primeira Mão Que Segurou a Minha, traduzido pela poeta Inês Dias, que é um livro belíssimo que conta paralelamente duas histórias de mães, pais e filhos (a que se passa primeiro é mesmo uma história muito bela com personagens fascinantes) para depois as ligar a partir do último terço numa reviravolta bem urdida e um tanto inesperada. Merecia uma capa mais bonita, mas o que lá está dentro é que conta. Leiam!