Mudança de agulha
Este foi um ano diferente para a literatura. Quando o Man Booker International Prize, atribuído a escritores de língua inglesa de dois em dois anos, foi entregue à norte-americana Lydia Davis, isso foi o sinal de que alguma coisa tinha mudado. Lydia Davis, de quem ouvi falar pela primeira vez no fim do século passado pela boca de um jovem autor que então publicava e que fizera uma residência literária em Nova Iorque, na qual tomara contacto com a obra desta autora, escreve contos: contos que estão agora coligidos num grosso volume traduzido em português pela Relógio d’Água e que, frequentemente, não ultrapassam as duas páginas, podendo, aliás, ter apenas meia dúzia de linhas. Uma decisão assim corajosa abriu naturalmente caminho à suspeita de que o Nobel deste ano pudesse contemplar um ou uma contista; e, nas apostas feitas no Facebook em vários murais, o jornalista do Expresso José Mário Silva pôs todas as suas fichas no nome de Alice Munro e ganhou a jogada: a canadiana arrecadaria efectivamente, já depois dos 80 anos, o maior e mais prestigiado galardão literário de todos os tempos. Assim, com tão boas notícias para a história curta (estou, obviamente, a traduzir apressadamente short story), vamos lá ver se também aqui em Portugal começamos a abrir as portas aos livros de contos, que têm sido tratados ao longo do tempo, ou pelo menos desde Borges e Carver, como coisa de menor importância.