Pensar antes de agir
Ao longo da minha vida profissional, pude acompanhar algumas polémicas entre intelectuais, fosse através de relatos em livros que li ou editei – de António José Saraiva, por exemplo, ou na reedição de Rumor Branco, de Almeida Faria –, fosse assistindo, mais ou menos em directo, à zanga entre figurões em cartas duras e azedas publicadas nos jornais. Algumas dessas polémicas eram, de resto, notáveis na sua qualidade literária e pensante e dignas de grandes cabeças, mesmo que nem sempre concordássemos com a matéria em discussão. Creio que um autor que é vítima de uma crítica desonesta ou falsa deve responder ao autor do texto. Uma vez, quando eu escrevia livros juvenis, saiu uma recensão a um livro meu na qual se dizia que as personagens eram demasiado bem-falantes para a idade em certas passagens, oferecendo um excerto como exemplo; só que, por acaso, nesse excerto as personagens estavam a ler, e não a falar… Escrevi uma carta ao jornal e a coisa esclareceu-se. Desde então nunca mais respondi a críticos, embora de vez em quando me apetecesse defender os meus autores de alguns textos não muito bem-intencionados sobre obras suas e, sobretudo, quando se percebe que o crítico não os leu, só folheou (como num caso em que o romance tinha três personagens e o recenseador mencionava apenas duas). Recentemente, pareceu-me, mesmo assim, um bocado insólito que um poeta se tenha insurgido contra um crítico que elogiava a sua obra num jornal. Estava furioso com o facto de metade do texto serem citações de poemas do livro e, em blogue pessoal, mandava o crítico meter as quatro estrelas que lhe atribuíra num certo sítio (acentuando, ainda por cima, o U). Com razão ou sem ela, os termos em que se queixou mancharam a excelência da sua poesia – e o crítico respondeu com luva branca e saiu a ganhar. Mais valia o poeta ter pensado antes de agir, digo eu. Nas velhas polémicas, mesmo com verrina e sangue, tenho ideia de que havia (mais) elegância.