Juventude rebelde
Eis um livro que, para mim, que já passei dos cinquenta e tive uma adolescência mais ou menos pacata, foi bastante desconcertante. Trata-se da estreia na ficção de um guionista experiente (trabalha habitualmente com o realizador António-Pedro Vasconcelos) e li-o como um romance a que faltavam bastantes pontas, mas também já me disseram que é um livro de contos atados por um fio mais ou menos invisível. Seja o que for, debruça-se essencialmente sobre o tema da adolescência e do princípio da idade adulta e cita o filme Magnólia em epígrafe, quiçá para nos preparar para uma teia de estranhas e inexplicáveis coincidências. Chama-se Tiago R. Santos o autor deste A Velocidade dos Objectos Metálicos (um belo título) e nasceu na mesma época em que viram pela primeira vez a luz as suas personagens, ou seja, a seguir à Revolução ou pouco depois dela (imagino, por isso, que saiba do que fala). Mas no livro encontramo-las – às personagens – com catorze anos ou lá perto (algumas crescem à medida que as páginas avançam, mas a maioria da acção decorre nos anos 1990), com situações familiares distintas mas cabeças parecidas, zangadas na generalidade com o mundo, como é próprio nestas idades, mas – sejamos francos – algumas vezes com razão. Os seus hábitos fazem pensar numa geração que começou a beber e a fumar ganzas ou a tomar outras drogas muito cedo, que pode ser muito violenta e muito física, que vive com as emoções fechadas em punhos que gostam de esmurrar, nem que seja para fugir de outros socos – os de um pai, por exemplo, que parece viciado neles. Uma geração que nas carteiras da escola já trata o sexo por tu e, de um ano lectivo para outro, confere se as maminhas das colegas cresceram durante o Verão, mas pode nem se lembrar dos nomes delas. Apesar de se cruzarem em vários capítulos, e ao de leve, os destinos destes jovens, que são apresentados curiosamente pelo número que tinham na escola, são mais as histórias individuais que importam e acabam por justificar ou ajudar a perceber porque determinados adultos são, afinal, como são. A ideia de que o céu é uma festa que está a acontecer a milhares de anos-luz e de que o brilho das supostas estrelas é tão-só o que vemos através da alcatifa esburacada pelos morrões dos cigarros dessa festa é bastante original. E há outras assim, igualmente desconcertantes.