De olhos em bico
Eu e o Japão não nos damos lá muito bem – mas tenho a certeza de que a culpa é minha, que não consigo entender, entre outras coisas, que, mesmo num país seguro, possam andar sozinhas crianças de quatro anos entre a casa e a escola. Quando estive em Tóquio há uns anos, achei demasiadas coisas estranhas (censuram os pêlos púbicos em livros, filmes e até anúncios de lingerie, tornando-os uma mancha indefinida, mas vendem uma manga horrorosamente violenta e não raro pornográfica); e perguntei-me – sem obter resposta – porque não têm as personagens dos desenhos animados «olhos em bico», e sim uns olhões verdadeiramente arregalados, quando se diz que os Japoneses nos consideram uma raça inferior. Não consigo alcançar o Japão, é o que é. E, ainda assim, há um escritor japonês que vive em Londres que leio com um prazer desmedido. Ganhou o Booker Prize com o magnífico Os Despojos do Dia (que deu um filme vencedor de vários Óscares), mas escreveu muitos outros romances de grande qualidade. Talvez seja um escritor já europeizado, mas a verdade é que, embora os seus cenários sejam frequentemente europeus, as suas histórias não deixam de estar impregnadas de valores tipicamente japoneses. Em Os Inconsolados, por exemplo, vê-se bem que Kazuo Ishiguro não podia ser senão japonês.