Dá Deus nozes...
Há muitos anos, fui convidada pelo Instituto Português do Livro e da Leitura (que depois se tornou a Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas que acaba de ser, quanto a mim, escandalosamente extinta) para ir a uma Feira do Livro em Cabo Verde. Porque nessas paragens não abundavam livrarias, a feira era um acontecimento nacional e, antes mesmo de as portas se abrirem, havia uma multidão que aguardava, ansiosa, por tocar, cheirar, folhear e comprar livros – desde histórias infantis ilustradas a dicionários e livros de Direito, passando por romances, biografias e livros práticos. Ao final do primeiro dia, já só havia meia dúzia de exemplares nas mesas e escaparates, e os que tinham chegado tarde partiam acabrunhados e de mãos vazias no meio de queixumes surdos e um encolher de ombros. As crianças que tinham apanhado um livrinho pareciam exultantes, mas muitas havia que, à porta, choravam a sua pouca sorte. Nesse tempo, discutia-se muito em Portugal o desinteresse dos jovens pela leitura e fiquei deveras impressionada com a franca desilusão sentida por aqueles meninos. Quando perguntei a um deles – desdentado, com seis ou sete anos – se gostava tanto de ler como parecia, ele respondeu-me que sim e que, à falta de outra coisa, lia todos os dias o jornal e guardava as páginas de que mais gostava. Na semana passada, soube que Cabo Verde tem mais de 90% da sua população alfabetizada e lembrei-me imediatamente deste episódio. E ainda há gente que vive em cidades cheias de livrarias e nunca entra em nenhuma – e, pior, que nem lê o jornal...