Crianças desaparecidas
Quando Maddie desapareceu e, durante meses, não se falava de outra coisa em Portugal, estranhei que não tivesse renascido nas livrarias essa maravilha intitulada A Criança no Tempo, de Ian McEwan. Li tudo do autor (menos Solar, mas já o tenho) e, se me puser a pensar, continuo a dizer-me que não há outro livro do autor tão bom como esse. É certo que poderá ser um texto um pouco datado – e que quem não tenha vivido a era Thatcher, dificilmente atingirá na sua plenitude; é certo também que, apesar da tradução belíssima de Fernanda Pinto Rodrigues, o livro em português fica aquém do original (até porque Prime Minister não tem sexo – e em Portugal tem, e é masculino). Mas a história do homem que vai ao supermercado com a filha de três anos e a perde para sempre num instante de distracção é só o ponto de partida para um dos mais profundos romances que li sobre desespero, culpa, educação, tragédia, remissão, amor e política. No tempo em que o livro foi publicado, os computadores ainda estavam na pré-história e não apresentavam retratos aproximados de crianças desaparecidas ao longo dos anos; mas este pai de A Criança no Tempo nunca desiste de procurar a filha nos rostos de todas as crianças que têm a idade que ela vai tendo na sua ausência. E, simultaneamente (que ironia!), a sua ocupação é colaborar na realização de um manual estatal para a educação das crianças, que é um logro no qual um pai dilacerado não merecia ter caído. Sublime em todos os sentidos.