Veneza e Varanasi
Uma vez, fui jantar com um amigo a um restaurante entre o Terreiro do Paço e Santa Apolónia que tinha uma particularidade: servia comida indiana e italiana (e não outras). Nunca vira as duas cozinhas associadas em restaurante algum, nem consegui destrinçar por que motivo o proprietário tomara aquela estranha decisão de alimentar os clientes com duas gastronomias tão diferentes. Ignoro se o restaurante ainda lá está, mas o livro de que falarei hoje tem, curiosamente, como cenários a Itália e a Índia. Chama-se Jeff em Veneza, Morte em Varanasi, escreveu-o Geoff Dyer, e li-o há talvez dois anos em inglês, ainda em versão PDF, mas sei que foi entretanto publicado em Portugal. A primeira parte, que decorre em Veneza, é a história de um daqueles encontros desiguais entre um homem e uma mulher: o homem tímido e discreto, nada good looking, para quem a coisa mais improvável do mundo é ter na sua cama durante os dias que dura uma bienal de arte em Veneza uma mulher que toda a gente aspiraria a ter nos braços. Para ele, é a história de amor da sua vida; para ela um intermezzo fogoso mas aparentemente inconsequente. A descrição é arrebatadora e arrasta-nos ao longo das páginas, desejosos de mais. Eppure, depois da despedida italiana, uma cortina atira-nos o homem para a Índia, mais exactamente para a cidade santa de Varanasi, num estado de declínio que não conseguimos atingir (há que esperar até ao final do livro para saber), perguntando-nos mil vezes se a mulher ali aparecerá para o salvar. Mais espiritual e escura, esta segunda parte irá esclarecer-nos sobre as reais consequências da experiência amorosa e o inescapável destino dos protagonistas. Escrito com dois ritmos inteiramente diferentes, tem uma estrutura bastante original e serve de aviso aos que – passe o paradoxo – se atiram, sem rede, para as redes da paixão.