Alunos de Ciências
De há uns anos para cá, tenho assistido a uma mudança muito curiosa em Portugal: os jovens mais cultos e interessantes com quem me tenho cruzado são, regra geral, alunos de Ciências, e não de Letras, como acontecia no meu tempo, em que a gente mais ilustrada e profunda vinha sobretudo das Literaturas e da Filosofia. Talvez as médias requeridas para licenciaturas em Medicina, Arquitectura, Economia e outros cursos ditos técnicos sejam bastante mais elevadas do que as exigidas para as Humanidades e isso leve a que esses estudantes leiam mais, estudem mais e desenvolvam um gosto diferente pelo saber. Em todo o caso, é muito gratificante falar hoje com um jovem físico, médico ou biólogo e ouvi-lo acerca de grandes romances, correntes de pensamento, poetas-mitos e escritores marginais com um à-vontade que falta aos que estudam justamente literatura. Aconteceu-me recentemente com um autor cujo romance publicarei no ano que vem (é cedo para falar disso, mas prometo fazê-lo oportunamente) e que, por detrás de uma carreira científica (creio que o conheci em Pisa a fazer um mestrado ou um doutoramento há dois anos), se vê que tem uma cultura literária e artística apreciável e a usa para dar largas ao seu génio e talento incontestáveis (mas estes nasceram de certeza com ele). Não é caso único, tenho recebido mais romances interessantes de gente de ciência, e a Madalena – que trabalha comigo e de quem falei há dias – também se iniciou nos estudos na área científica e só mais tarde emendou a mão. Será que todos aqueles para quem a Matemática é um papão têm, na verdade, medo apenas do que parece difícil?