Palavras difíceis
Na minha já longa carreira, passaram-me obviamente muitos autores pela mão, mas, pela natureza do meu trabalho e das minhas preferências, raros foram os que já tinham obra extensa e eram escritores consagrados. Não quero dizer, mesmo assim, que por dar à estampa autores menos experientes, não tenha aprendido muito com os seus livros; mas recentemente tornei-me editora de um escritor bastante mais sábio e rodado e, em algumas páginas, senti-me uma completa ignorante. Estou, para que saibam, a ler o próximo livro de Mário Cláudio – e acho que nunca aprendi tantas palavras novas nem tive o dicionário tantas vezes debaixo do braço como nestes dias. E não estou a falar de vocábulos ou expressões que – podia ser o caso – se usem exclusivamente no Norte (coisa que me vem acontecendo cada vez mais, pois tenho muitos autores fora da capital que escrevem «à beira de» em vez de «ao lado de», «encorrilhar» por «amarrotar» e outras coisas que identifico logo como típicas do português nortenho); estou, sim, a falar de termos que nunca na vida li e ouvi e que, embora tire pelo sentido, quero certificar-me do que significam. Só numa manhã, fui brindada com os deliciosos «bazulaque» para «gordo», «embrechado» para «incrustado de conchas, pedra ou loiça» (um muro, por exemplo), «repoltrear» para «refastelar», «gárrulo» para «falador, linguareiro», «castorina», um tecido de lã, «gloríola» para «pequena ufania» (esta até era mais ou menos óbvia) e «rémora», que é o nome de um peixe. Mas a descoberta mais feliz foi a de que a palavra «tolerada» também quer dizer «prostituta», embora se trate não da que anda na rua, mas da que trabalha num bordel, e não por aí à vista de toda a gente. Tão burra me senti que tomei nota de algumas destas iguarias linguísticas e as li ao Manel para ver se ele me consolava com a sua ignorância. Na maioria, ficámos quites, mas em dois ou três casos explicou-me que eram vocábulos de Camilo Castelo Branco, escritor muito do gosto e da leitura do nosso Mário Cláudio. Já percebi que tenho de voltar ao Camilo para morrer mais culta... E, entretanto, delicio-me com o «plumitivo» vencedor do Prémio Pessoa que me coube em sorte. Lá para Abril, deliciem-se também.