A ditadura das vendas
Como editora num grande grupo, no momento da decisão sobre a publicação de uma obra, tenho sempre um tirano a ciciar-me ao ouvido que os livros têm de se vender. Sei que fui eu que o criei como uma espécie de autocensura, que me permite ter os pés bem assentes na terra e recusar o que sei de antemão vir a ser um fiasco e, por outro lado, me puxa pela imaginação para tornar mais vendável o que, à partida, não tem grande potencial comercial mas merece, inequivocamente, ser dado à estampa. Mas a ditadura não é de hoje e aquilo que se vende impera sobre o que é bom há já muitos anos. Em 1996, despedi-me da editora onde trabalhava e – desempregada que fiquei – comecei a responder a anúncios, dentro de actividades mais ou menos compatíveis com as funções que poderia desempenhar. Um deles dizia respeito à vaga para director de publicações num grupo de jornais e revistas, e fui chamada para uma entrevista pela empresa que se ocupava do recrutamento. Porém, assim que cheguei, disseram-me assim à queima-roupa que tinha sido convocada por ter o currículo que tinha, mas não ficaria com o lugar pela mesma razão... Confundida, quis saber porquê. Explicaram-me então que se tratava de contratar alguém que dirigisse quatro publicações, entre as quais figuravam as revistas Maria e Nova Gente. E que, embora as minhas habilitações e experiência editorial obrigassem a que fosse entrevistada, a verdade é que o meu perfil indicava que tentaria melhorar o conteúdo e subir o nível dessas revistas, quando o que se pretendia era mantê-los para que se continuassem a vender...