Polémicas
Há uns dias publiquei aqui um texto intitulado «Ser escritor», no qual utilizei a expressão «verdadeiro escritor» referindo-me aos que escrevem literatura, por oposição àqueles que escrevem outro tipo de ficção mais comercial; e «verdadeiro leitor», referindo-me aos que lêem literatura, e não essa outra ficção. As minhas afirmações geraram polémica – o que é sempre gratificante, até porque um blogue que não provoca comentários parece-me apenas um espelho infeliz ou uma parede nua na qual ressoa a nossa própria voz. Houve quem atacasse alguns autores literários por serem difíceis, quem dissesse que é legítimo procurar na leitura apenas diversão, quem sugerisse que a questão do gosto não é estranha às classificações e quem alvitrasse que cada um tem direito ao seu cânone. Muito bem. E, porém, há um Cânone estabelecido pela Academia, que se sobrepõe inevitavelmente aos nossos cânones pessoais e dita, entre outras coisas, que escritores podem ganhar o Nobel da Literatura e, mais importante, quais passarão o teste do tempo. Não é crível que, por mais competente que seja na sua área, Dan Brown alguma vez possa ser indicado para o Nobel ou os seus livros sejam objecto de análise textual em revistas académicas de crítica literária. E que, daqui a cinquenta anos, ainda se reeditem os seus livros, pois haverá seguramente muitos autores a escreverem livros afins provavelmente mais actuais. Para entrar nesse Cânone maior, parece-me que se tem de fazer o novo com o velho, que, com o material de que toda a gente dispõe desde que é alfabetizada, alguns conseguem ainda o milagre da originalidade, enquanto outros se limitam a replicar o que já foi feito. Era aos primeiros que chamava «verdadeiros escritores». Quanto à questão do prazer e do entretenimento, quero ainda dizer que a mim a literatura – alguma dela difícil, como foi referido, mas não necessariamente (Dickens é difícil?) – entretém-me bastante, e dá-me mais prazer ler um texto que me proporcione uma leitura activa e me deixe a pensar muito para lá de terminado o livro do que outro que, por bem construído que esteja, não deixe nada cá dentro. Sobre as outras questões levantadas e a merecerem o meu comentário alongado, deixá-las-ei para outra oportunidade.