Por falar em clássicos
Uma vez, na véspera de Natal, lembrei-me de que me faltava um presente para um amigo que, ao fim de muitos anos de ser advogado, resolveu ir tirar o curso de História numa dessas universidades privadas. Fui então à Baixa comprar-lhe a Breve História de Portugal, de Oliveira Marques (para a de José Mattoso, em dez volumes, era preciso ser mesmo o melhor amigo), a uma livraria onde, por esses dias, estavam a trabalhar jovens que faziam embrulhos bonitinhos, mas não pescavam nada de livros. Enquanto uma rapariga me embrulhava a minha compra, apareceu um senhor meio perdido, perguntando se tinham alguma coisa de Dickens. «O que é isso?», perguntou ela, mal levantando os olhos do que estava a fazer. «Ó minha senhora, é um clássico», respondeu o cliente, com um tom bastante condescendente. «Ah, se é um clássico, é ali naquela prateleira», tornou a rapariga, apontando com o queixo o lugar onde era suposto estar a obra de Dickens. Acompanhei-lhe o gesto e sorri: na dita prateleira havia livros de Eurípides, Ovídio, Homero, Virgílio e outras coisas gregas e latinas. De Dickens, nem sombra. Alguém podia explicar aos jovens que um clássico também pode ser da literatura?