De leitura obrigatória
Bem sei que tudo o que cheira a obrigação traz em si uma promessa de aborrecimento e quase juraria que a maioria dos livros que tivemos de ler na escola não fizeram muitos leitores futuros dos seus autores. E o pior é pensar que isso aconteceu porque, em muitos casos, não tínhamos maturidade suficiente para os compreendermos. Ocorre-me, por exemplo, que Gil Vicente nos divertia com os seus palavrões (no meu tempo frequentemente suprimidos), os parvos e as alcoviteiras, mas dificilmente abarcávamos as implicações teológicas e o anticlericalismo dos seus textos; e que Fernão Lopes foi sempre ganhando peso e maravilha à medida que eu crescia e o relia, transformando-se numa coisa completamente diferente no final. Outros, porém, ficaram mesmo por reler, como o Herculano que, na adolescência, me pareceu tão insuportável (“E a abóbada não caiu!”) que nunca mais me chamou para a releitura. Em todo o caso, fiquei, sei lá porquê, chocada ao saber que Camilo desapareceu do currículo escolar. Bem sei que o novo ministro pode reintegrá-lo, mas num tempo em que as pessoas parecem apreciar enredos trágicos e paixões funestas, não seria de aproveitar a onda e, de caminho, ensinar centenas de vocábulos portugueses a uma população que recorre a um léxico cada vez menor?