Frontal e inconveniente
Sou da geração que viu aparecer e aplaudiu entusiasticamente Miguel Esteves Cardoso, que o leu nos jornais com um prazer imenso e reconheceu nele um estilo completamente novo de escrever e cronicar. E, embora ele ainda me delicie de vez em quando com a sua prosa (os textos que fez para o Público sobre a doença de Maria João, sua mulher, eram de uma beleza avassaladora), acho-o hoje bem mais acomodado, escrevendo sobretudo sobre o que come e bebe na zona de Colares sem que isso se torne especialmente interessante. Mas houve um tempo em que era de uma irreverência contagiante e lembro-me de uma história a este propósito elucidativa. Nesse ano – devíamos estar no final dos 80 – ganhou o prémio de romance da APE o livro Fora de Horas, de Paulo Castilho (que era também um texto bastante diferente do que se fazia então na literatura portuguesa). Ora, na altura, MEC dirigia a revista K, onde escrevia, entre outros assuntos, sobre livros; mas, ao contrário do júri desse prémio, não gostou do dito romance nem percebeu porque merecia tal distinção. Vai daí, resolveu escrever um artigo demolidor sobre o livro e não achou nada melhor do que intitulá-lo “Fora de Merdas”...