África minha
Em todos estes anos que trabalhei com novos autores de língua portuguesa, raramente me vieram parar às mãos livros de africanos. E agora, de uma assentada, apareceram-me dois – e ainda bem, porque têm sido mesmo horas extraordinárias de leitura. De um deles, O Novíssimo Testamento, do cabo-verdiano Mário Lúcio Sousa, já aqui falei ao de leve e voltarei a falar mais perto da publicação; do outro, começo por dizer que é das coisas mais bonitas que li nos últimos tempos (e a autora condiz com o livro, garanto). O romance chama-se Os Pretos de Pousaflores, foi escrito por Aida Gomes da Silva, angolana, e conta a história de uma família (um branco com três filhos mulatos, todos de mães diferentes) que, depois de rebentar a guerra civil em Angola, vem para uma aldeia beata e atrasada de Portugal, encaixada entre serranias, ribeiros conspurcados e um frio de rachar. O choque é brutal (em Luanda a vida era então muito mais cosmopolita do que em Lisboa, imaginem numa aldeola) tanto para os que vêm de África como para os retrógrados da aldeia, para quem um preto é quase uma maldição. Contado a várias vozes (completamente distintas, e aí reside um savoir-faire invejável), deixa-nos acompanhar o futuro sempre periclitante das personagens e é, ao mesmo tempo, poético, comovente, informativo e, por vezes, muito divertido. Tornarei a este livro, claro. Agora foi só para destapar a pontinha do véu.