Soberania ou incompetência
Todas as línguas têm regras e estas fizeram-se para ser cumpridas. Mesmo assim, um certo incumprimento pode ser visto como marca estilística de determinado autor, como o comprovam a pontuação nos livros de Saramago ou a ausência de maiúsculas em valter hugo mãe. Acredito que ainda seja uma opção consciente de António Lobo Antunes a supressão do «de» antes do «que» em expressões que o exigiriam (como «ter medo», «aperceber-se» ou «estar à espera»), uma vez que as suas obras são todas fixadas por Maria Alzira Seixo e não a vejo a perdoar esta falta (chamemos-lhe assim) por sua alta recreação, estando, pois, convencida de que o autor simplesmente não aprecia o «de» e exerceu a sua soberania. De qualquer modo, já li livros muito literários – alguns inclusivamente galardoados com prémios importantes – que não entendo como foram publicados e distinguidos com erros tão graves como o desconhecimento do verbo «posar» (as personagens «pousavam» todas para as fotografias ao longo do romance), a ortografia errada nas palavras inglesas («Okey» por «Okay» repetia-se até à exaustão) ou a sistemática confusão entre os verbos «vir» e «ver», que, num caso, produzia uma frase bastante sugestiva que nunca esqueci: «[...] bares onde se vêm bailarinas grávidas com batons escuros.» Neste romance, penso que não se tratou de soberania: já é grave que um autor não saiba coisas tão elementares, mas a pessoa que assina a revisão bem podia devolver o dinheiro que recebeu pelo serviço…