Tintim sou eu
Ainda hoje me lembro de ter tido um pesadelo no dia em que comecei L’étoile mystèrieuse, um dos primeiros livros de Tintim que li na vida. A aranha que fizera a sua teia na ponta do telescópio e, gigantesca, parecia fazer parte do planeta observado, abraçando-o, assustou-me. Era miúda quando comecei a ler o Tintim e os livros eram em francês, de capa dura e do meu irmão mais velho (que ainda os tem). Na altura, não tinha idade para me aperceber da dimensão dessa fascinante personagem (um miúdo de calções seguido por uma cadelinha, mas afinal já repórter e a investigar matéria de peso, portanto não miúdo, mas afinal sem namorada ou mulher, o que era estranho, mas...) nem das implicações políticas das aventuras de que era protagonista. Muito mais tarde, depois de reler várias vezes os livros, encontrei um ensaio esclarecedor, ainda que às vezes demasiado imaginativo, sobre Tintim, escrito como tese de doutoramento em psicanálise por um francês chamado Serge Tisseron e intitulado muito justamente Tintim no Psicanalista. (A epígrafe desse livro é, de resto, o título deste post e foi, como todos sabem, dita por Hergé, o criador da personagem, numa entrevista.) Nesta tese, o nosso querido repórter do caracol afastado da testa é psicanalisado e, entre outras coisas, descobrimos que o Professor Tournesol desempenha o papel de sua mãe e o Capitão Haddock de seu pai e que, afinal, a infância de Hergé tem muito que ver com uma certa orfandade da sua personagem. Bastante original.