O texto e o suporte
Nunca como nestas férias vi tanta gente a ler num e-reader. Bem sei que a maioria desses leitores provinha de países estrangeiros – falavam inglês e neerlandês, sobretudo. Mesmo assim, parece que a coisa veio para ficar, e reconheço que, se tivesse de ler, por exemplo, para uma tese durante as férias, essa seria a melhor forma de levar comigo a bibliografia (levei oito livros numa pasta, que pesava bastante, e não era trabalho). Confesso que ainda não me habituei a ler livros num ecrã – gosto de folhear, dobrar o cantinho, ler duas passagens de páginas distantes em simultâneo, dividir o livro entre o que já li e o que ainda falta com o polegar, tudo tiques que, na máquina, seriam mais ou menos impraticáveis. No entanto, desde que herdei um iPad do Manel, já não o dispenso e quase todas as noites o ligo para investigar alguma coisa, nem que seja o nome de um actor que me escapa ou assistir ao trailer de um filme que vai dar na televisão e quero saber se vale a pena trocar por um livro ou por uma boa conversa. No fundo, porém, acho que aquilo que importa realmente é o texto, e não o suporte, e admito que estes livros virtuais possam ser realmente mais práticos de arrumar (o que eu não teria poupado em estantes) e mais ecológicos. Ao mesmo tempo, lembrando alguns textos de poesia de autores como Apollinaire, nos quais a forma era também o conteúdo (se é que isto se pode dizer), pergunto-me se estes dispositivos (nos quais se pode aumentar a letra a gosto, alterando as linhas e, consequentemente, o formato do texto) não poderão de algum modo subverter as intenções originais de um autor.