Ir para o céu
Passei a infância num Portugal amordaçado e cheio de vénias à Igreja católica, que mandava muito mais em tudo do que parecia. Para fazer a primeira comunhão, estudei por um catecismo na escola primária em que Eva e Adão andavam vestidos e eram lindos (não descendiam dos macacos nem se pareciam com os homens primitivos). O pecado e o castigo estavam estreitamente ligados – e, para completar o trio, a ideia do Inferno a arder para quem se portasse mal nunca deixava de estar presente. Porém, com o tempo – e embora continue a acreditar em Deus –, a ameaça das chamas diluiu-se, tal como a imagem de um paraíso perfeito onde todos poderão um dia ser felizes (desde que na Terra tiverem sido exemplares, claro). Por estas e por outras, fico um bocado desconcertada com o sucesso de livros que nos acenam com um lugar assim no fim das nossas vidas como o que há semanas não sai dos Top das livrarias e, ao que consta, narra a história de um menino que esteve morto uns segundos, falou com Deus e foi testemunha de que O Céu Existe mesmo. Nem sequer o abri, confesso, mas a ideia de haver tanta gente a comprá-lo faz-me pensar que ou não nos conseguimos ainda libertar desses símbolos com que nos moldaram a meninice, ou somos um País (quiçá um mundo, porque o êxito de vendas não se resume a Portugal) de pessoas tristes e perdidas que contam com o post-mortem para serem visitadas por algum tipo de felicidade, mas não querem, apesar de tudo, partir para o Além desavisadas. Com vendas de 3000 exemplares por semana só em Portugal, a história deste interlocutor privilegiado está, provavelmente, nas casas de muitas famílias que nunca tinham comprado um livro e quiçá não comprarão outro tão cedo.