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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

22
Mai23

Uma Lolita moderna

Maria do Rosário Pedreira

Publico este mês o segundo romance da autoria de Marieke Lucas Rijneveld (dos Países Baixos), que viu o seu livro de estreia, O Desassossego da  Noite, premiado com o Man Booker International Prize, o que é uma façanha, sobretudo se tivermos em conta que se trata de alguém extremamente jovem e que sempre morou longe dos grandes centros pensantes, numa quinta onde se criavam vacas. E à segunda arremetida não só não desilude como se mostra capaz de reinterpretar a Lolita de Nabokov. Minha Querida Favorita, assim se chama a nova obra, é a história de um verão asfixiante em que um veterinário rural se aproxima da filha adolescente do criador de gado para quem trabalha. Apesar de correrem boatos de uma doença que afecta seriamente os bovinos das redondezas, o veterinário só pensa em fugir aos traumas da infância e a um casamento que secou para se dedicar de corpo e alma à «sua querida favorita» que, sozinha na quinta nessas férias, prefere viver num mundo de fantasia a ter de aceitar o abandono da mãe. Nesse verão, os dois desenvolvem um fascínio tão obsessivo um pelo outro que chegam a cruzar todas as fronteiras concebíveis. E a confissão opressiva presente nestas páginas é uma história comovente e ao mesmo tempo chocante sobre o amor proibido, a solidão e a identidade. Como diz o crítico Jeroen Maris, «não é uma festa agradável, não senhor. Mas o leitor deseja estar na lista de convidados, pois de contrário perde uma grande, grande obra literária.» Cuidado com os estômagos sensíveis. A tradução é de Maria Leonor Raven e a capa de Rui Garrido.

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19
Mai23

ADN

Maria do Rosário Pedreira

Uma Questão de ADN, um programa da TSF conduzido pela excelente jornalista Teresa Dias Mendes. é um dos que insisto em não perder. O ponto de partida é escolher alguém que está a dar que falar por alguma razão e juntar-lhe outra pessoa da mesma família (daí o ADN) para que a conversa a três siga naturalmente por caminhos mais privados e desconhecidos. Recentemente, calhou a vez a Paulina Chiziane, a propósito da entrega do Prémio Camões, e à sua filha, psicóloga clínica, Maria Salomé Cabo. E achei piada quando esta contou que nunca valorizara excessivamente o que escrevia porque, desde miúda, via a mãe deitar fora textos que lhe mostrara e que ela achara maravilhosos. O grau de exigência de Paulina, porém, acabou por condicionar a filha (que, ao que parece, escreve poesia que outros elogiam, mas não a publica). A questão tem a sua graça. Na arte de representar, há imensos filhos que seguem as pisadas dos pais (basta olhar para Hollywood); na música, são também muitos os casos de hereditariedade (basta ver os concertos de Caetano Veloso com os seus três filhos); porém, na escrita, embora haja alguns casos (Martin Amis é filho de Kingsley Amis),  julgo que há menos exemplos de escritores filhos de escritores. Será que os filhos têm receio do juízo dos pais, ou serão os pais que os tornaram demasiado exigentes?

18
Mai23

Jornalista-escritora

Maria do Rosário Pedreira

É muito comum, em Portugal e no estrangeiro, jornalistas (não só culturais) escreverem livros de ficção: ora sobre histórias de que inicialmente foram os repórteres, ora sobre assuntos com que deram de caras numa qualquer investigação para outra coisa, ora porque descobriram o gozo da escrita e não resistiram a tentar a literatura. É agora o caso de uma jornalista bastante conhecida, Anabela Mota Ribeiro, responsável há anos por muitíssimos programas culturais (um dos mais recentes com entrevistas a jovens nascidos depois do 25 de Abril, que acompanhei com imenso agrado). Hoje mesmo irá para a livraria o seu primeiro romance, O Quarto do Bebé, que ainda não li, mas tem uma bela capa e suscita curiosidade. Diz a folha de divulgação enviada pela editora: «Escrito em grande parte durante o confinamento e a doença, e concluído após uma longa gestação, O Quarto do Bebé é um romance autoficcional em forma de diário íntimo [...] Com ecos do universo literário da recentemente nobelizada Annie Ernaux, uma das grandes referências da autora, O Quarto do Bebé é um relato cru e corajoso que revela uma nova e envolvente faceta de Anabela Mota Ribeiro.» Pois, lá vamos ter de ler. O lançamento público vai ser na terça-feira, no Palácio Galveias.

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17
Mai23

Encontros poéticos

Maria do Rosário Pedreira

Têm vindo a Portugal nos últimos tempos muitos poetas latino-americanos, e alguns espanhóis, para divulgação das suas obras em Portugal, já que a poesia é provavelmente, a par do teatro, dos géneros menos traduzidos entre nós. Fazem-no no contexto dos Encontros Poesia Ibero-Americana, um ciclo organizado pela também poetisa Lauren Mendinueta, colombiana com vários livros publicados em Portugal, que assinou além disso uma antologia de poetas do seu país publicada há uns anos na Assírio & Alvim, com tradução de  Nuno Júdice, intitulada Um País Que Sonha. Dentro deste ciclo, amanhã na Fundação José Saramago, pelas 18h30, terá lugar uma actividade ao vivo que incluirá os poetas Adriana Hoyos (Colômbia), Fernando Pinto do Amaral (Portugal) e Margarida Vale de Gato (Portugal) e terá a participação musical de Víctor Zamora (piano, Cuba), Nuno Rocha (guitarra, Portugal) e Edouard Rambourg (saxofone, França). A sessão conta com o apoio da OEI (Organização dos Estado Ibero-Americanos) e a entrada é livre, sujeita à lotação da sala. Vamos ouvir?

16
Mai23

Ler para fintar o destino

Maria do Rosário Pedreira

Está a chegar às livarias e às vossas mãos o novíssimo romance vencedor do Prémio LeYa, o maravilhoso A Arte de Driblar Destinos, de Celso Costa, que destronou os outros quatro finalistas no concurso de 2022. É um romance de formação que decorre numa aldeia do interior do Paraná, onde a escola oficial não vai além dos primeiros anos e os cuidados de saúde são precários, levando a que os males do corpo e da alma sejam tratados com o que se tem à mão ou com a intervenção de feiticeiros. É neste cenário que o protagonista – um menino nascido no seio de uma família que se vê constantemente em apuros para pagar os descalabros de um pai que não ganha juízo – é incentivado a prosseguir os estudos por uma professora primária e acaba acalentando o sonho de se tornar também professor e enganar o destino que lhe estaria reservado. Romance-mosaico que toma a educação como motor e garante da liberdade, o livro foi elogiado pelo júri e também por Itamar Vieira Junior, vencedor do prémio em 2018, que sobre ele disse: «A Arte de Driblar Destinos é um tesouro de rara honestidade e beleza.» Por que esperam para o ler? A capa, maravilha!, é de Rui Garrido.

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15
Mai23

Os clássicos

Maria do Rosário Pedreira

Muito se tem discutido e dito sobre o que é um bom livro, e realmente não há respostas que sirvam a cem por cento para tudo, mas sabemos que, naturalmente, os livros que resistem ao tempo têm pelo menos alguma garantia de qualidade, sobretudo por conseguirem sobreviver a tantos outros que morrem ao seu lado (muitos dos quais em vida do autor). Tendemos a chamar «clássicos» aos mais imorredoiros, e o grande leitor e editor que é Francisco José Viegas prepara-se para dar um curso sobre alguns destes clássicos (romances e contos) que vão resistindo a todas as intempéries e desastres culturais e encontrando leitores contemporâneos. No mês que vem, com  início a 26 de Junho, inicia-se o ciclo Clássicos, antes que seja tarde, que incluirá obras tão variadas como Madame Bovary, Orgulho e Preconceito, Mau Tempo no Canal, Cem Anos de Solidão, Os Maias, Memórias Póstumas de Brás Cubas ou mesmo as Ficções do grande Borges. São cinco sessões, cada uma tratando dois livros, e acontecem no El Corte Inglés, em Lisboa. Aviso com antecedência, porque estas actividades costumam esgotar logo e,  portanto, se estão interessados, apressem-se com a inscrição. Sobre tudo isto, o melhor mesmo é consultar a página ambito-cultural.elcorteingles.pt. Está tudo lá.

 

 

12
Mai23

Excerto da Quinzena

Maria do Rosário Pedreira

Fábulas de animais - incluindo fábulas de peixes mortos que falam - têm estado entre as histórias mais persistentes do cânone oriental; e as melhores entre elas, ao contrário, digamos, das fábulas de Esopo, são amorais. Não procuram pregar sobre humildade ou modéstia ou moderação ou honestidade ou abstinência. Não garantem o triunfo da virtude. Como resultado, parecem extraordinariamente modernas. Por vezes, os maus da fita ganham.

A colecção conhecida na Índia como Panchatantra apresenta um par de chacais que falam, Karataka, o bom ou melhor dos dois, e Damanaka, o malvado conspirador. No início do livro estão ao serviço do rei leão, mas Damanaka não gosta da amizade do leão com outro cortesão, um touro, e convence o leão a acreditar que o touro é um inimigo e a assassinar o animal inocente enquanto os chacais assistem.

Fim.

Nos contos de Karataka e Damanaka também lemos sobre uma guerra entre corvos e corujas em que um corvo finge ser um traidor e se junta às corujas para descobrir a localização da caverna onde vivem. Depois os corvos ateiam fogo em todas as entradas da gruta e as corujas sufocam até à morte.

Fim.

 

Salman Rushdie, Linguagens da Verdade, Ensaios 2003-2020, tradução de Isabel Lucas

11
Mai23

Um século de vida e história

Maria do Rosário Pedreira

Está a sair para as livrarias o novo romance de Paulo M. Morais, que foi uma vez mais finalista do Prémio LeYa. Chama-se A Boneca Despida e a sua protagonista, Julieta, seria talvez uma pessoa vulgar, não fosse o facto de ter vivido mais de cem anos. Cresceu sem mãe e longe do pai, junto de uma avó violenta que a escravizou. Não a deixaram prosseguir os estudos. Não lhe ensinaram os factos da vida. Casou sem paixão, teve filhos que amou e por quem sofreu de insondáveis maneiras. Acabou num lar, sozinha, como tantas outras. Do seu nascimento na ilha do Faial à pequena infância passada em Macau; dos tempos num colégio interno em Hong Kong ao regresso definitivo a Lisboa; da obediência à avó à sujeição ao papel de esposa e mãe; a história fascinante de Julieta (e a da sua boneca de bisque) é também a da mulher portuguesa ao longo dos anos cinzentos da ditadura, sempre contando os centavos, abdicando dos sonhos em favor da família, calando dúvidas e frustrações e passando por cima de sucessivos desgostos. Este é um registo absolutamente notável da história da vida privada de um país que, no lapso de um século, participou em guerras e conflitos, viu partir a sua gente, instalou-se nos subúrbios, virou do avesso regimes políticos, se tornou europeu, esqueceu os seus velhos, conheceu momentos de luz e sombra. E Julieta, claro, assistiu a tudo.

A BONECA DESPIDA de Paulo M. Morais_15.png

10
Mai23

Lucy, volta sempre

Maria do Rosário Pedreira

Não perco um livro de Elizabeth Strout, cuja escrita me fascina sobretudo pela aparente simplicidade e coloquialidade. A sua obra é mesmo um «projecto literário», na medida em que certas personagens vão passando de livros para livros e até entrando nos livros que supostamente não lhes pertencem. Li até agora todos os romances dedicados a Lucy Barton, sempre tremendo que a autora a faça desaparecer num dia qualquer. Em Lucy à beira-mar, o que li mais recentemente na tradução de Tânia Ganho, tive bastante medo de que isso acontecesse quando a Lucy diz, logo num dos primeiros capítulos, que não sabia que não voltaria à sua casa de Nova Iorque (e, como estamos num ambiente pandémico, pensei o pior); felizmente, não foi desta e desejo sinceramente que a senhora Strout nos delicie mais vezes com esta Lucy, uma personagem que é mesmo de carne e osso, com uma normalidade tão original que até faz impressão como é que isto se consegue. Mas, pronto, sem querer contar demais, neste romance a sua vida dá uma reviravolta inesperada, que é uma seta para trás, e a história da cunhada recém-descoberta em Oh, William (outro livro fascinante) terá continuidade, um bálsamo para William, o homem que está a envelhecer muito depressa, e para nós, claro, que ainda vamos querer que Chrissy, uma das filhas do casal, tenha um bebé depois de tantos desgostos e tanta magreza. Leiam, leiam, nunca desilude esta escritora norte-americana. Se o próximo não for da Lucy, pode ser que seja da Olive Kitteridge. Veremos.

09
Mai23

Lourinhã

Maria do Rosário Pedreira

«Entre nós e as Palavras» (retirado de um verso de Cesariny) é o mote de mais um festival Livros a Oeste, que arranca hoje na Lourinhã e vai até ao próximo dia 13. O festival, que tem curadoria do jornalista João Morales e está nomeado para os Iberian Festival Awards deste ano pela sua importância cultural, vai celebrar indirectamente vários centenários de escritores (desde logo, Mário Cesariny, que já mencionei, mas também a poderosa Natália Correia, o original Mário Henrique Leiria, artista plástico além de escritor, e ainda o queridíssimo Urbano Tavares Rodrigues, pessoa extraordinária que tive o prazer de conhecer). Diz o vereador da Cultura da Câmara da Lourinhã que as actividades matutinas decorrerão especialmente nas escolas e que o programa dedicado aos adultos começará à tarde e estender-se-á pelo início da noite. Os convidados são muitos: Rosa Alice Branco, Luís Osório, Raquel Patriarca, Rui Cardoso Martins, Rita Ferro, Ana Paula Tavares, Rui Zink, o ilustrador Pierre Pratt e muitos outros. A fadista Aldina Duarte e eu vamos estar à conversa na sexta ao final da tarde na Biblioteca Municipal sobre a nossa antologia Esse Fado Vaidoso. Mas o programa é extenso (ver abaixo, embora seja mesmo difícil de ler). Apareça por estes dias na Lourinhã.

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