A arte da vida
Sinto-me sempre feliz quando mergulho num livro de um jovem autor e descubro nele coisas que, apesar de séculos de escrita, cheiram a novo. Desta vez passou-se com a argentina María Gainza, cujo O Nervo Ótico, muito elogiado por Vila-Matas, está desde ontem à venda. María Gainza é, na origem, crítica de arte e, quando escreve no seu romance sobre as vidas incríveis de El Greco, Courbet, Fujjita ou Toulouse-Lautrec, sobre o banquete que Picasso ofereceu em honra de Henri Rousseau entre a admiração e a troça, ou sobre as misteriosas razões por que Rothko se recusou a entregar ao luxuoso Four Seasons uma encomenda milionária, está também a falar do hospital em que o marido fez quimioterapia e onde uma prostituta andava de quarto em quarto, da decadência da sua própria família em Buenos Aires, do desaparecimento precoce de uma amiga, do desconforto da gravidez ou até do pânico de voar. Como num museu – lugar que, aliás, frequenta regularmente à maneira de uma sala de primeiros-socorros –, a sua vida tem obviamente obras-primas, mas também pequenos quadros escondidos em corredores escuros e estreitos. E, no entanto, todos eles importam. O Nervo Ótico é um livro de olhares: olhares dirigidos a pinturas e a quem as contempla. Singular e inclassificável, celebra o detalhe e inaugura um género literário no qual confluem, de forma absolutamente perfeita, a história da arte e a crónica íntima, num tom que oscila entre a comédia social e a ironia trágica. Traduzido por grandes editoras em todo o mundo, esta pequena obra de estreia, tão depressa ousada como subtil, apresenta-nos sem qualquer dúvida uma grande escritora contemporânea.