A culpa é do biógrafo
Como anunciei oportunamente, as minhas crónicas sob o título genérico Adeus, Futuro foram reunidas num livro publicado recentemente. Porém, se ainda estivessem a sair no Diário de Notícias aos sábados, estou certa de que teria escrito mais uma na semana passada pois o tema combinaria muito bem com a minha indignação. Desta feita, a escandaleira tem que ver com a biografia de Philip Roth escrita por Blake Bailey. Quem leu Roth e quem leu sobre Roth sabe muito bem que não era nenhum santinho e que, se fosse vivo, não escaparia quase de certeza a uns insultos femininos sobre a forma como tratou as mulheres nos seus romances (e também na vida real, segundo atestou, de resto, a sua ex-mulher). Como ainda não li a biografia que Bailey lhe dedica, não sei como Roth é tratado pelo biógrafo, mas tenho conhecimento de que se trata de uma biografia «autorizada». No entanto, li a notícia de que, já depois de ter sido posta à venda e registar bastante sucesso, estava prevista uma reedição cuja distribuição foi retida nos armazéns da editora... E porquê? Bem, a razão nem sequer tem que ver com a vida de Roth, mas afinal com a do senhor Bailey... É isso mesmo: o biógrafo acaba de ser acusado de assediar sexualmente duas raparigas no tempo em que foi professor, e o editor da biografia, diante das acusações que nada têm que ver com a obra em causa, decidiu mesmo assim prejudicar a memória de Philip Roth e a curiosidade dos leitores do génio não deixando sair dos armazéns mais exemplares... Claro que acho um horror qualquer professor assediar alunas, mas esse assunto deve ser tratado pelas competentes instâncias e fora do âmbito da literatura. Com ou sem crónica, só me ocorre dizer de novo: Adeus, futuro.
P. S. Logo às 21h30 vou estar a conversar com Tito Couto no âmbito do Ler Olhos nos Olhos, que pode ser visto e ouvido na página de Facebook do Município de Oeiras.