A grande senhora
Paula Rego, a grande pintora portuguesa e do mundo, morreu recentemente e toda a gente lhe fez o devido e merecido elogio artístico nos jornais, nas televisões, nas redes sociais. Eu estava a curar-me da COVID e com cada vez menos vontade de escrever no meu mural do Facebook, mas a verdade é que, se tenho pela artista uma grande admiração, não posso deixar de dizer que a mulher (e tão famosa era) me surpreendeu enormemente pela sua generosidade e simplicidade quando pela primeira vez a contactei. Estávamos no princípio deste século e eu lançava na Temas e Debates a minha primeira colecção de literatura portuguesa, com jovens escritores. O designer que se ocupara das capas, António Rochinha Diogo (ARD Cor), optara por incluir pinturas e escolhera para o primeiro romance de José Luís Peixoto A Dança, de Paula Rego. Disse-lhe que seria certamente difícil consegui-lo, dada a importância da pessoa em causa, mas arranjei o e-mail de Paula Rego através já não sei de quem e escrevi-lhe, explicando que o autor do livro era um jovem desconhecido, mas muito promissor, e que o seu romance decorria num ambiente que em tudo se relacionava com a pintura em causa que gostaríamos de usar como capa. Ofereci-me para enviar o texto completo e para falar por telefone sobre qualquer detalhe, mas não foi necessário. A grande senhora respondeu positivamente, encaminhou-me para os seus galeristas (que eram quem podia fornecer-me o slide, penso que na altura nem ainda trabalhávamos com ficheiros) e, a melhor surpresa, disse que não cobraria nada, uma vez que estávamos a promover justamente a obra de um jovem artista que começava então a sua carreira. Foi assim que a primeira edição de Nenhum Olhar (um dos primeiros Prémios Literários José Saramago) gozou do privilégio de uma pintura de Paula Rego na capa e que a minha admiração pela artista, que já era grande, se fez ainda maior.