A nossa língua
Que temos de mais bonito senão a nossa língua, essa língua que correu mundo e se misturou com a dos povos de África, da América, da Ásia, e voltou outra, cheia de salpicos doces e palavras em bico, e é hoje uma criação colectiva de aquém e de além mar? Leio no jornal Globo do Brasil uma fantástica crónica de José Eduardo Agualusa sobre a matéria, em que ele cita uma das frases mais conhecidas a propósito, a muito difundida «Da minha língua vê-se o mar», de Vergílio Ferreira, que continua: «Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto.» Também Pessoa disse que a sua pátria era a língua portuguesa, outra grande frase; mas, ao ler o belo texto de Agualusa, caio de amores por uma frase dele, que é tão cheia de língua e de graça que não podia vir de um sisudo português. Ora tomem lá (a segunda parte é que conta): «A minha língua é esta criação coletiva de brasileiros, angolanos, portugueses, moçambicanos, cabo-verdianos, santomenses, guineenses e timorenses. A minha língua é uma mulata feliz, fértil e generosa, que namorou com o tupi e com o ioruba, e ainda hoje se entrega alegremente ao quimbundo, ao quicongo ou ao ronga, se deixando engravidar por todos esses idiomas.» Bela prosa esta do escritor angolano que, mais à frente, diz que os seus conterrâneos todos os dias trazem alguma coisa para o português, com quem «têm uma relação de esplêndida irreverência. Falam português sem culpa e sem gravata.» E, se ele o diz assim, eu acredito – e desejo que tragam estas proezas todas para a nossa língua quanto antes e que os nossos autores as usem logo, porque às vezes os papéis dos potenciais escritores em cima da minha mesa são muito pobrezinhos ao pé disto