À procura da língua materna
No último dia 7 fui, como oportunamente avisei, ao Instituto Cervantes ouvir a conversa entre Lídia Jorge e o escritor guatemalteco Eduardo Halfon, que foi, aliás, soberba. Entre as muitas coisas que foram ditas, há, porém, uma história que Halfon contou e que explica a forma original como se tornou escritor. De família de direita e abastada, o romancista viveu na Guatemala até aos dez anos; mas, quando a guerra civil atingiu um ponto insuportável, os pais resolveram mudar-se para os Estados Unidos. Foi, pois, em inglês que Eduardo e os irmãos fizeram a parte mais substancial da sua educação, tendo ele cursado engenharia numa universiade americana. Enquanto viveu nos EUA, segundo disse, os livros não lhe interessavam nada, pouco lia, gostava era de jogar à bola e estar com os amigos. Mas eis que as leis da imigração norte-americanas fizeram com que, acabado o curso, Halfon fosse obrigado a regressar ao seu país de origem. Ele, que falava inglês com os irmãos e os amigos, usando o castelhano apenas com a geração mais velha, teve uma dificuldade extrema em de repente mudar o chip e ter de falar a língua materna para conseguir trabalhar e viver na Guatemala. Decidiu então ir estudar para a universidade; e, embora tenha inicialmente pensado em Filosofia, acabou por ser «recambiado» por um professor para Letras. E eis que, à procura da sua própria língua, começa a ler e a escrever e percebe o gosto pela literatura e pela construção da ficção, um rapaz que antes não lia um livrinho... Diz que continua a pensar em inglês, mas que só consegue escrever em espanhol (traduzirá os pensamentos?). Afinal, se os americanos quisessem lá todos os estrangeiros que para lá vão estudar, já teríamos perdido um escritor...