Algo e o seu contrário
Escrevi aqui há tempos sobre o artigo de Miguel Real a respeito da crise da ficção nacional, em que se dizia, entre outras coisas, que, nos últimos anos, os vencedores de importantes prémios para a língua portuguesa (Oceanos, Saramago, LeYa...) tinham sido africanos ou brasileiros. É verdade, claro, e a questão foi também abordada no número seguinte do JL por António Carlos Cortez (poeta, crítico e romancista) que, concordando com Miguel Real, vai até mais longe, dizendo que a língua portuguesa falada no Brasil e em África é mais colorida do que o chatinho português europeu (não estou a citar, mas a interpretar). Para corroborar estas opiniões, reparei há dias que na lista dos romances nomeados para o Dublin Literary Award na categoria de livros traduzidos estão três livros escritos originalmente em português, mas mais uma vez nenhum é de um autor português: Torto Arado, de Itamar Vieira Junior; A Palavra Que Resta, de Stênio Gardel (que salvo erro, já foi finalista de outros prémos internacionais) e O Bebedor de Horizontes, de Mia Couto (dois brasileiros e um moçambicano). Podemos sempre somar dois mais dois e tirar esta conclusão, mas o resultado da conta feita noutro sítio também pode ser diferente. É que, na última edição do Prémio Oceanos (o maior de língua portuguesa no Brasil), na categoria de romance, não havia um único autor brasileiro na final, eram só portugueses e africanos... Talvez tudo seja afinal uma ilusão e, no ano que vem, os portugueses se sagrem vencedores destes prémios e de outros mais.