Alusões e outras ligações
Como editora, prezo muito a inovação, uma vez que, à medida que o mundo avança, é cada vez mais difícil fazer-se ou encontrar-se o nunca visto. Mas, embora o material da escrita seja o mesmo que usamos para pedir uma bica em Lisboa ou dizer «continuação» no Porto com o sentido de que tudo fique bem, a verdade é que ainda há pessoas capazes de ter ideias diferentes. E, para variar, hoje nem falo nos artistas propriamente ditos, mas nos que «editam» e não são, por causa disso, menos originais. Refiro-me, por exemplo, à professora Rosa Maria Martelo, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que assina um livro intitulado Antologia Dialogante na Assírio e Alvim, do qual constam poemas de variadíssimos autores de épocas diferentes que, isso mesmo!, dialogam entre si. Imaginem quantos versos de Camões se escondem por aí em poemas alheios... Pois a professora caçou-os (a estes e a outros, citados, glosados, em alusões mais discretas ou mais óbvias) e constrói uma interessante colectânea poética, toda ela teia, que é também uma espécie de jogo de espelhos. E alguns dos poetas que «roubam» (e que bem o fazem) aos antecessores também acabarão roubados, o que tem certa graça. Enfim, para quem gosta de poesia e jogo limpo, uma obra inovadora.
E, como falei de Camões, é ele quem hoje vos recomendo (a lírica, mesmo que Os Lusíadas sejam a obra maior da nossa língua), até porque, no centenário de Amália Rodrigues, que se comemora desde segunda-feira passada, faz sentido reler um soneto do mestre que está na origem de uma das maiores inovações da diva: cantar os eruditos!