As Santas Casas
Não sou contra o crowd-funding para projectos culturais e, além de ter contribuído, aplaudi, na oportunidade, a operação que o Museu Nacional de Arte Antiga lançou há uns anos para «pôr no lugar certo» (ou seja, no próprio Museu) A Adoração dos Magos, de Domingos Sequeira. Acompanhei, de resto, a evolução dos donativos e gostei de saber que muitos fizeram como eu e contribuíram com o que podiam. Ainda que com pequenas quantias, apoio por vezes projectos que me parecem merecer a ajuda de todos ou estarem em risco (livros, jornais, outros) e não acho mal que grandes instituições peçam dinheiro quando é a única forma, por exemplo, de deixar uma obra-prima ficar em Portugal. Parece que o nosso Ministério da Cultura pretende ajuda para a salvaguarda do nosso Património nesta época difícil; e, para isso, lembrou-se de criar uma raspadinha que todos pudéssemos comprar. Até aqui, nada de estranho. Porém, como o cronista do Público João Miguel Tavares fez notar, e muito bem, na semana passada, um estudo recente demonstra que quem compra habitualmente raspadinhas é justamente o segmento mais desfavorecido da população portuguesa, aquele que menos ganha e que mais ajudas precisa; e (acrescento eu) provavelmente aquele que menos desfruta do nosso património... Um leitor do Público, na sequência da crónica, escreveu ao director do jornal dizendo que, ainda por cima, o jogo é uma actividade viciante, geradora de dependência e, como tal, lesiva da saúde pública. Ora, juntando estes argumentos todos, está visto que a Santa Casa da Cultura tem de prescindir da outra Santa Casa para pedir aos amigos do Património misericórdia... e donativos. Raspadinha não.