Autora-mistério
Há muitos anos, li dois pequenos romances muito agradáveis, algo eróticos, de uma autora chamada Agustina Izquierdo: Um Amor Puro e Uma Recordação Indecente. (Se ainda os encontrarem nos alfarrabistas, dediquem-lhes a vossa atenção.) Talvez porque a autora, sendo de origem espanhola, escrevia em francês (ao que parece, era de uma família antifranquista que se refugiara em França), gerou-se o boato de que era apenas um pseudónimo de Pascal Quignard, que negou a autoria dos romances e afirmou que já lhe tinham atribuído quatro pseudónimos, todos falsos. Pois parece que temos, desde os anos 1990, mais uma autora-mistério: trata-se de Elena Ferrante, italiana, que, ao enviar a sua primeira obra ao editor, pôs como condição para ser publicada nunca aparecer em lado nenhum e apenas responder a entrevistas por escrito, nas quais já declarou ter nascido em Nápoles, ser licenciada em Estudos Clássicos, ensinar e ser mãe. Peguei num volume recentemente dado à estampa pela Relógio d’Água, Crónicas do Mal de Amor, constituído por três distintas novelas, e – ainda que só tenha lido a primeira –, fico na dúvida sobre se as declarações de Ferrante são mesmo de Ferrante. Isto porque, nesse texto, encontro múltiplas ressonâncias de autores espanhóis que conheço relativamente bem – o Juan José Millás de A Ordem Alfabética ou Assim Era a Solidão (que usa recorrentemente como protagonista Elena, o nome de baptismo da escritora italiana), algum Marsé e ainda traços de Buñuel aqui e ali – mas também porque me parece ser mão de homem a escrever, mesmo que os temas sejam, como o da relação entre mãe e filha, tipicamente femininos. Alguém me disse que, ao pé de Ferrante, Bukowski é um menino do coro. Quem quer que seja esta Ferrante, só posso dizer que não a percam.