Bem flanar na literatura
A Flâneur, já aqui falei dela, é uma livraria especial na cidade do Porto. Desconhecia (talvez porque os seus livros não cheguem a todos os sítios onde compro livros, alguns perto do trabalho ou de casa) que também fosse uma editora; mas, num recente colóquio de Psicanálise em que participei, havia na banca dos livros uma pequena colectânea dos últimos poemas de Denise Levertov (poetisa que aprecio desde os tempos de faculdade), traduzida por Andreia C. Faria (poetisa também) e Bruno M. Silva (poeta e ficcionista). A antologia leva por título Este Grande Não-Saber: Últimos Poemas e foi publicada originalmente em 2000, três anos depois da morte da poetisa britânica naturalizada americana e de certo modo ligada à Beat Generation. O pequeno volume inclui textos que ela deixara prontos e arrumados, mas inéditos, e bastante variados. A edição é bilingue e inclui nota dos tradutores sobre a liberdade da respectiva tradução, que começa brilhantemente por: "Um poema traduzido é sempre um corpo hesitante que se deita ao lado do primeiro corpo, de respiração suspensa." Deixo-vos um poema de que gosto particularmente. Leiam Denise Levertov.
Uma Nova Flor
Quase todas as vivas pétalas do girassol
tinham caído, então arranquei as poucas
que faltavam e encontrei-me
com uma nova flor: o centro,
redonda almofada escura
da cor do café torrado, tocada de inúmeras
ínfimas florinhas de ouro, mas visíveis agora,
caído o vivo e brilhante amarelo,
e à volta um verde anel, as pétalas
por sob as pétalas, ali desde sempre,
cada uma com a forma de chamas sagradas
ou folha de figueira-dos-pagodes,
forma lúdica, jubilante
(subestimada em padrões Paisley)
e a luz vindo por entre elas, de modo que
quando, em dupla ou tripla fila, como um grupo
de anjos da Renascença, se sobrepunham,
havia sombra, um tom mais denso
do mesmo verde de rebentos – uma nova flor
neste dia de outono, revelada
no outono da sua própria floração.