Bilinguismo literário
Um dia destes, consultando o nome dos jurados do Man Booker International Prize (isto porque comprei um dos livros que estão na final), reparei que a mexicana Valeria Luiselli estava entre eles (conheci-a num festival de escritores, mas já não me lembro se foi cá ou noutro país). Achei estranho que uma autora mexicana fosse jurada num prémio para livros traduzidos em inglês; mas descobri que a própria Luiselli vive nos Estados Unidos há muitos anos e já escreve directamente em inglês. Como será escrever literariamente numa língua que não é a nossa? Samuel Beckett, um dos laureados com o Prémio Nobel da Literatura na Irlanda (houve quatro por lá), escreveu vários textos dramáticos em francês (e até dizia que às vezes precisava de outra língua mais rica do que a sua para se expressar melhor). Por outro lado, a Kundera aconteceu em França, onde se exilou, o mesmo que a Luiselli: começou por escrever em checo e, às tantas, passou naturalmente ao francês (corrigiu inclusivamente o seu tradutor em certas passagens). E mais espectacular é ainda o caso de outro Prémio Nobel da Literatura, o poeta Joseph Brodsky, que deixou o russo para escrever em inglês poucos anos depois de se ter «escapado» para os Estados Unidos na altura do comunismo. (Poesia sem ser na língua materna deve ser ainda mais difícil, digo eu.) Mas há seres superiores e todos estes o foram de alguma maneira. Espere-se, pois, que a jovem Luiselli se torne genial com o tempo.
Hoje vou recomendar uma peça de Beckett que adoro, já que falei dele: Os Dias Felizes (Oh les beaux jours). Vê-la é ainda melhor do que lê-la.