Casa-armadilha
Caruncho, um pequeno romance, faz furor no país vizinho, o que é realmente justificado. Layla Martínez, a sua autora, é mais uma escritora de língua espanhola a debruçar-se sobre a luta de classes, tal como o fizeram a chilena Alia Trabuco em Limpa, a mexicana Fernanda Melchor em Paradaise ou a espanhola Elena Medel em As Maravilhas, escancarando as injustiças a que os pobres estão sujeitos desde sempre, especialmente os que servem burgueses novos-ricos que parece que têm prazer em humilhar o pessoal doméstico. Traduzido e posfaciado por Guilherme Pires, Caruncho tem duas narradoras, avó e neta, mas na verdade fala ainda de outras duas mulheres: a bisavó que soube livrar-se de um marido violento e infiel de maneira bastante original; e a filha da avó e mãe da neta, cujo fantasma circula agora pela casa que é, talvez, a principal personagem deste livro, porque encolhe e dilata, abraça ou repele, acolhe os mortos num armário e debaixo das camas, faz com que as panelas se despenhem no chão todas ao mesmo tempo. Herdeira do realismo mágico de Rulfo misturado com a beatice do catolicismo ibérico, e também dos contos de terror (evocou-me alguma coisa dos emparedados de Edgar Allan Poe em certas partes), consegue ser ao mesmo tempo uma novela extremamente moderna, com uma pontuação e um léxico que ajudam a identificar a voz das narradoras. Gostei muito, venham mais, Layla Martínez. Até porque a luta de classes continua e não podemos esquecê-la de maneira nenhuma.