Cem anos
Este ano comemora-se o centenário da revista Orpheu – e é natural que publicações e instituições lhe dediquem páginas e atenção, o que já vem acontecendo há algum tempo, por exemplo, com a Casa Fernando Pessoa. Mas uma efeméride não deve deixar outras no esquecimento e, por isso, foi para mim tão importante ler no blogue do meu colega editor espanhol Adolfo García Ortega a referência de que em Novembro próximo faria também 100 anos Roland Barthes. Nos meus tempos de estudante, todos os alunos de Letras deitaram a mão aos seus livros brilhantes, desde Fragmentos de Um Discurso Amoroso a O Sistema da Moda, desde A Câmara Clara a O Prazer do Texto, livros de uma categoria difícil de definir, mas sempre apaixonantes, porque Barthes, além de ser uma espécie de cientista da língua e um homem elegante, era um grande escritor – e era isso que agarrava o leitor e o levava a ler toda a sua obra, independentemente do assunto específico que cada livro tratasse. Pois bem, Barthes morreu prematuramente há 35 anos, quando ainda nos podia dar tanto, por causa de um estúpido acidente. Um veículo de matrícula belga estaria estacionado em segunda fila perto de uma curva, tirando a visibilidade necessária a quem queria atravessar a rua; foi Barthes quem, infelizmente, levou com a carrinha de uma tinturaria em cima – e a sua morte não se deveu às escoriações, de que até estava a recuperar bem, mas a uma infecção pulmonar que desenvolveu depois no hospital. Conta o meu amigo Adolfo que nessa esquina, durante muito tempo, houve uma tabuleta que dizia: «Diminua a velocidade, poderia atropelar Roland Barthes.» A forma de não o atropelarmos, digo eu, é lê-lo e relê-lo, encantarmo-nos com as suas páginas cem anos depois do seu nascimento e trinta e cinco depois da sua morte. Mais do que com as muitas biografias suas que aí vêm para o centenário, é aos seus livros que não envelhecem que devemos prestar toda a atenção.