Competências e capacidades
Há quem diga que, depois da pandemia, nada será igual; há quem, pelo contrário, declare que, passada a fase pior, tudo voltará a ser como antes (Houellebecq dizia-o num artigo recentemente publicado no Expresso). Acredito que haja mudanças... A quantidade de coisas que deixámos de comprar e que percebemos que realmente não nos fazem falta é uma delas (e o dinheiro vai ser menos para muita gente); mas mudará também a forma como os pais olham para os seus filhos pequenos, pois finalmente passaram com eles o tempo que só lhes dedicavam à hora do banho ou aos fins-de-semana. E talvez tenham descoberto que eles se entretêm maravilhosamente com um livro de histórias, uma corda de saltar, uns lápis de cera e meia dúzia de carrinhos com mais felicidade do que com o inglês, os cavalos, as aulas de piano, o atelier de cerâmica... Tomara. Como diz, numa entrevista que li há meia dúzia de dias (embora tenha mais de um ano), um homem muito sábio (refiro-me a Laborinho Lúcio), hoje «encharcamos de tal maneira as crianças com competências que nem chegamos a descobrir quais são as suas verdadeiras capacidades». Ter nascido e brincado antes do nascimento da Internet dá de facto esta lucidez impressionante. Espero que da pandemia possa nascer realmente algo de positivo quanto a este assunto.
Hoje recomendo um livro que dá para grandes e pequenos e pode ser lido pelos pais aos filhos: Platero e Eu, de Juan Ramón Jiménez. O autor foi Prémio Nobel da Literatura em 1956, embora em Portugal seja um desconhecido.