Crise na ficção portuguesa
Ao longo do tempo, tenho sentido que os originais que me chegam anonimamente são cada dia mais fracos e mais pobres em termos de linguagem e imaginação. No final do ano, descobri dois que me agradaram muito, mas são excepções, e a regra tem sido a pura desilusão. É verdade que, quanto mais lemos, mais exigentes nos vamos tornando; mas não sou eu apenas que me queixo disto, porque há pouco tempo Miguel Real escreveu um artigo no JL perguntando-se se a ficção portuguesa não se encontrá realmente em crise e confirmando o que aqui escrevi há tempos (que os vencedores de alguns dos prémios literários mais importantes para a língua portuguesa, como o Saramago, o LeYa ou o Oceanos, têm sido ganhos por autores do Brasil e dos PALOP). Diz ele, entre outras coisas, que a língua portuguesa na Europa está longe de ter a vivacidade que tem noutros países, que os assuntos tratados nos romances portugueses são cada vez mais fúteis, que as nossas narrativas se tornaram insignificantes em termos estéticos e que a receita do modelo saído do 25 de Abril se esgotou. Aposta, mesmo assim, em autores como Ana Margarida de Carvalho, Patrícia Portela, Joana Bértholo e outros, mas afirma que, no geral, os autores actuais «repetem o repetido». Houve muitos que se apressaram a dizer que o próprio Miguel Real é romancista, quiçá acusando o toque; na verdade, quem conhece o autor do artigo sabe que ele nunca se considerou mais do que um «escritor médio» (as palavras são suas) e, por isso, talvez se esteja a incluir sem problemas entre os autores desta ficção em crise. Mas, embora dê razão a Miguel Real pela minha experiência, gostaria de acreditar que a crise é passageira. Só o futuro, porém, o poderá dizer.