Das ausências
Em Outubro passado, por ocasião do festival literário de Óbidos, veio a Portugal Davide Enia, o autor do magnífico Notas sobre Um Naufrágio; ficou depois uns dias em Lisboa para entrevistas e uma apresentação do livro na Livraria da Travessa. Como uma das suas peças (Enia é também actor, encenador e dramaturgo) já tinha sido levada à cena pelos Artistas Unidos, pedimos encarecidamente a Jorge Silva Melo que fosse o apresentador. Não só aceitou, como nos brindou com uma apresentação belíssima, pedagógica, inteligente e sem um segundo de chatice, o que é mesmo muito raro nas apresentações de livros. Já há vinte anos ele tinha apresentado o romance de estreia de Filipa Melo que eu publicara de forma igualmente cativante. Nunca fomos íntimos, eu até fazia com ele bastante cerimónia (o respeitinho com quem o merece é muito bonito); mas fiquei triste, com essa tristeza que se sente por alguém próximo, quando na terça-feira pela manhã me meti no carro e levei a estalada da notícia da sua morte. Não o sabia sequer doente e ainda queria convidá-lo para apresentar muitos livros que viesse a publicar, pois era garantia de que correria bem. E agora já não posso. Encenador, realizador, fundador da Cornucópia e dos Artistas Unidos, homem culto e interventivo, sem papas na língua e excelente comunicador, Jorge Silva Melo vai deixar saudades. A sua falta será notada durante muito tempo.