Decidir um ofício
Talvez a maioria das pessoas que se queixam continuamente do trabalho não faça aquilo de que gosta e, mesmo realizando funções na sua área de formação, preferisse deitar a mão a uma coisa diferente. Escolher um ofício não é para todos, evidentemente; e, assim em termos abstractos, eu até poderia dizer que, se não trabalhasse com livros, me via a ser radialista ou actriz de teatro mas, provavelmente, não tenho o mais pequeno talento para representar, nem condições, porque tenho bastante medo do público; e, quanto à rádio, desconfio de que não me entenderia com as máquinas. Conheço, porém, artistas multifacetados que hoje são músicos mas sempre desenharam bem, ou que se tornaram escritores mais ou menos bem-sucedidos quando as famílias pensavam que acabariam a cantar num palco. O falecido cineasta João César Monteiro disse um dia numa entrevista que decidira na juventude ser poeta (e, claro, também o foi à sua maneira particular com os filmes que fez); mas que, percebendo que a poesia portuguesa estava «cheia como um ovo», teve de se virar para o cinema. Ele, pelo menos, decidiu o seu ofício.