Desdobrar
Não sei se se lembram de há já bastante tempo vos ter falado aqui no blogue de um baú cheio de cartas fechadas que foi encontrado cerca de trezentos anos depois de elas terem sido escritas. Eram 2571 missivas do Renascimento que um «carteiro» dos Países Baixos nunca entregou aos destinatários. O que nelas está escrito fará certamente luz sobre vários aspectos da sociedade desse tempo, mas havia um problema que dizia respeito à imensa probabilidade de estragar tudo com um gesto precipitado, até porque, segundo leio no Público de 3 de Março, as cartas estão dobradas de formas incrivelmente engenhosas, em padrões complicados que eram também uma espécie de assinatura de quem enviava, e corriam o risco de se desfazer ao toque. Então, para não deitar tudo a perder, o grande desafio foi ler cada carta sem a desdobrar, ou seja, lê-la com raios-X através de um aparelho criado, vejam lá, para «coscuvilhar» os dentes humanos, que tem uma sensibilidade inédita em cartografia. Um raio-X à História feito, afinal, com a ajuda da medicina dentária, a que posteriormente se associa um programa informático que permite desdobrar virtualmente as cartas em três dimensões e ler, por exemplo, uma missiva de 1697 de um senhor que pede a seu primo, mercador residente na Haia, o envio de uma certidão de óbito do cavalheiro Daniel LePers. As maravilhas da Ciência dedicam-se às Letras. Muito bem.