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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

31
Jan14

Au travail!

Maria do Rosário Pedreira

Hoje muitos autores portugueses querem viver exclusivamente do que escrevem (o que, dada a insignificância do nosso mercado, é extremamente difícil se não ganharem prémios chorudos ou forem traduzidos) e cada vez me aparecem mais potenciais escritores que alegam não gostar do que fazem profissionalmente e estar apenas a aguardar uma oportunidade de publicar um livro para deixarem o emprego (do que imediatamente os dissuado). Na minha opinião (que é a de alguém que sempre trabalhou), ter um emprego é, sobretudo nestes tempos, fundamental, não só para equilibrar as finanças, mas porque, entre outras coisas, permite o convívio, a troca de opiniões e a aprendizagem, o que, evidentemente, se se for escritor, só pode contribuir para o enriquecimento da produção literária. E, embora muitos não concordem comigo (até porque ter um horário e acordar cedo não é para toda a gente), houve grandes escritores que nunca se afastaram das suas ocupações e a sua obra não foi beliscada por causa disso (ou foi-o, mas positivamente). Desde logo Kafka, que trabalhava numa companhia de seguros, ou Pessoa, que tinha funções mais ou menos aborrecidas numa empresa de Import-Export (quiçá o facto de terem um trabalho burocrático até ajudou a desenvolver a criatividade). Ou o recente Prémio Nobel da Literatura Tomas Tranströmer, que foi toda a vida psicólogo e trabalhou especialmente com rapazes internados em casas de correcção. O poeta T. S. Eliot era, por sua vez, empregado do Loyd’s Bank e o seu confrade William Carlos Williams médico (tal como Torga, cujo consultório o Manel ainda conheceu quando estudava em Coimbra). Virginia Woolf e o marido eram editores (uma profissão mais ao jeito de um escritor, tal como a de bibliotecário, cargo desempenhado por Borges ao longo de muitos anos). Houve dezenas de escritores que ensinaram em liceus (Vergílio Ferreira foi professor do meu irmão) e universidades (Joaquim Manuel Magalhães foi meu professor) no mundo inteiro e outros que já escreviam em jornais antes de se tornarem escritores de romances, como Baptista Bastos ou Assis Pacheco. Na verdade, o trabalho nunca fez mal a ninguém.

5 comentários

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    Joaquim Jordão 31.01.2014

    Nem de propósito, Blonde: há poucos dias um amigo trouxe-me cópia de um extracto das Farpas, na parte em que Eça ironiza acerca da sua exclusão do concurso para o lugar de cônsul na Bahia. Entre outras coisas, ele inventa que o Governo o tem por perigoso revolucionário, chefe do Partido Republicano, anarquista, e tudo.
    Uma delícia!
    Não resisto a transcrever – na ortographia original – meia-dúzia de linhas da parte em que anda um polícia a seguir-lhe os passos:

    «Havia pavores convulsivos; quando eu entrava no theatro com o paletot abotoado, o polícia mandava este bilhete ao governador civil: “Levava o paletot abotoado!”. Este telegraphava para o conselho de ministros: “Há cousa: levava o paletot abotoado!”. E então o sr ministro da guerra dizia, pallido, ao seu collega dos estrangeiros, lívido:
    – Ahi está o homem que queria ser consul: que despreso pelas instituições! Que índole revolucionaria! Levava o paletot abotoado! Tenho 62 annos e nunca vi cousa assim.
    E diz-se que o poder moderador, alta noite, vagava pelos seus paços adormecidos, como outrora Hamlet nos pallidos terrenos d’Elseneur, murmurando na angustia:
    – Oh Sancho I, o Capello! Oh Affonso II, o Gordo: elle levava-o abotoado!»
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    Artur Águas 31.01.2014

    Na última linha da sua citação de Eça escreve: "- Oh Sancho I, o Capello!" Deve ser Sancho II, que esse é que era o Capelo (aprendido numa quarta classe frequentada em 1963 e nunca mais esquecido). Ou terá sido o Eça quem se equivocou?
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    Joaquim Jordão 31.01.2014

    Na parte que me toca, já fui verificar e transcrevi exactamente o que está na fotocópia das páginas que tenho comigo.
    Poderá ter sido equívoco de Eça.
    Mas inclino-me mais para que seja ignorância do poder moderador...
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    Artur Águas 03.02.2014

    Caro Joaquim Jordão, obrigado pelo ter tido o trabalho de verificar a versão impressão. De facto, o trocar II por I é provável que seja apenas uma gralha tipográfica.
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