Escrever e pensar
Tenho a clara suspeita de que me transformarei um dia destes em Velha do Restelo, se já não o sou; olho para certas decisões modernas e cada vez gosto mais de modos de ver antigos, ainda que, para falar com toda a franqueza, entenda algumas vantagens em termos práticos que as minhas opções difcilmente trariam. Contudo, lembro-me de copiar à mão parágrafos inteiros e listas de nomes de reis e rios para os meter na cabeça, e resultava, bem como de estudar muitas disciplinas tomando notas (para isso, sobretudo, serviam os cadernos, e não para copiar o sumário do quadro). A minha letra, de tanto que escrevi, foi-se ela própria parecendo mais comigo. Quando anoto o original de um autor, a minha caligrafia reflecte a minha zanga ou a minha alegria com o que leio, às vezes tanto como as próprias anotações... Há estudos que mostram que o papel é um suporte melhor do que o monitor porque facilita a localização e a memorização. Mas, sei lá porquê, a moda agora é a «desmaterialização» e, por isso, os alunos que este ano fizerem provas de aferição (dos 2.º, 5.º e 8.º anos de escolaridade) fá-las-ão exclusivamente no computador; os exames do secundário do próximo ano serão também feitos longe do querido papel. Percebo evidentemente o argumento ecológico (e o papel está caríssimo), o de quem corrige não ter de decifrar letras difíceis e o da correcção e atribuição de pontuação nas respostas ter muito provavelmente a ajuda preciosa da máquina, mas... Então a letra já não é importante? E escrever com a nossa mãozinha não ajuda a pensar? E o computador não se substituirá aos alunos na correcção de erros ortográficos e no completar de frases e palavras? Nem sei o que pensar.