Hoje em dia muita gente quer escrever um livro – e eu acrescento: acha que pode. Não discutindo as competências de cada um, a verdade é que o facto de todo o bicho-careta, entre apresentadores de TV e actrizes de telenovela, publicar livros faz com que se pense que escrever não implica talento e o que é preciso é ter uma história para contar (quando o comose conta a história é que, normalmente, faz a diferença). Sei que já falei muitas vezes aqui do tema, mas descobri umas novas dicas importantes. William Boyd, escritor, formula algumas perguntas essenciais aos aspirantes a escritores, que servem, no fundo, para que concluam se, efectivamente, estão habilitados a escrever um livro. E a primeira é justamente «Sabem escrever?», ou seja, se dominam a gramática, não cometem erros, são capazes de se exprimir por escrito de forma a serem entendidos e, claro, conhecem mesmo bem a sua língua; sem isso, meu amigo, de maneira nenhuma se tornarão autores de jeito. «Sabem planificar?» é outra das perguntas, uma vez que a organização da intriga ao longo das páginas de um livro é absolutamente fundamental; não é preciso o plano integral antes de começarem a escrever, mas, à medida que escrevem, têm de saber onde entra o quê sem se espalharem ao comprido. «Têm imaginação?» Ah, pois, há quem julgue que não precisa disto, mas é impossível tornar um episódio credível se o seu autor não o conseguir imaginar, diz o conselheiro. «São suficientemente resistentes?» Sim, Boyd acha que não só escrever um romance implica perseverança, aceitar os momentos menos criativos sem desistir, se calhar cortar páginas e páginas que deram muito trabalho na altura de rever, esperar o tempo que for preciso até o livro estar pronto, mas também que é necessária resistência às críticas depois de o livro sair e ao longo da carreira, porque há na profissão de escritor muitos altos e baixos. Enfim, algumas questões que ajudarão os indecisos a tomar uma decisão em consciência.
6 comentários
A 16.10.2015
Caro Luiz Santos-Rosa,
O que Boyd não disse:
1)Torne-se amigo de um escritor já estabelecido, 2) peça-lhe para entregar pessoalmente à editora o seu original (e "reze" para que ele o faça), e, assim, 3) salte da pilha de originais que chegam às editoras todos os dias.
Alternativamente, opte por concorrer a prémios literários. Concorra a muitos, gaste muito dinheiro no correio e não se deixe desmotivar pelo pensamento de que há por aí muita marosca. Mas atenção, isto só vale a pena se não tiver escrito uma coisa demasiado original... Tem de ter algo assim, digamos..., de bicho-careta.
Alternativamente ainda, e se acreditar no que escreveu, faça uma edição de autor, venda dois ou três livros a amigos e espere que a História lhe faça justiça.
Um abraço e o meu desejo sincero de que estas minhas palavras sejam desajustadas.
O quê, ir à Editora Chiado e Esfera do Caos e semelhantes, custear parte da edição, receber dezenas de cópias que ocupam espaço num armário, nunca mais ouvir notícias do editor, e sentir-nos estúpidos?
Pelo contrário, acho que devemos falar sobre elas, especialmente sobre como o entrincheiramento das ditas editoras "a sério', com os seus silêncios e políticas obscuras, fomenta a criação de editoras embusteiras que são sempre céleres a responder a escritores ignorados no limite da paciência.
Discutir isso é certamente mais interessante e urgente e valioso do que estar a discutir os lugares-comuns dos 'conselhos' do Sr. Boyd que eu já li 100 vezes antes em outros sites ao longo dos anos. Querem falar sobre 'resistência'? Que tal o Sr. Boyd não se encostar a frases feitas. A única resistência que conheço na minha escrita é a resistência contra o cliché. Para repetir o que já foi dito, mas vale não aconselhar nada. Querem falar de 'imaginação'? Que tal o Sr. Boyd arranjar conselhos novos que nunca li antes? É isso que a imaginação significa para mim: escrever combinações de frases em que ainda ninguém pensou.
Bom, estava pensar em trabalho horizontal. Sobre Chiado e afins, nada contra, mas não pago a editoras para ser editado. Faço edições de autor, como Torga, por exemplo. Não sei se a resistência é comigo, mas julgo ter escrito resilência. Vou verificar, que o corrector pode ter substituído. Ah, é cansativo escrever nome e mail em cada comentário. Há maneira de evitar isso? Obrigado. e JCC