Esposas, Servas, Comandantes e Olhos
Ao contrário da maioria dos portugueses (ou da maioria das pessoas em geral, sei lá), tenho uma grande dificuldade em fidelizar-me a séries de TV e fujo das que têm várias temporadas. Nunca vi um episódio da Guerra dos Tronos, devo ter visto um de House of Cards e Casa de Papel, três ou quatro de Segurança Nacional e, se bem que lembro, só vi de fio a pavio Twin Peaks, Sete Palmos de Terra e Downtown Abbey, mas isso foi tudo há séculos. Ouvi falar até à exaustão de História de Uma Serva (que também não vi, embora algumas fotografias divulgadas na Internet e nos jornais fossem esteticamente atraentes), mas resolvi comprar o romance de Margaret Atwood com o mesmo título para perceber melhor do que se trata. Sim, é um distopia a levar a conta sobre, como escrevem na capa, «um futuro assustadoramente possível» em que o fanatismo religioso bane o amor e o sexo se destina à procriação, e as Servas engravidam e dão à luz para as Esposas dos Comandantes, não podendo ter uma vida familiar própria. Uma delas, Defred (este Defred significa que é a Serva «de Fred», ou seja, pertença dele), não consegue porém esquecer o seu passado com Luke, o homem que amou e de quem teve uma filha, que nem sequer sabe se continua viva. A disciplina é rígida, há Olhos em todo o lado (e ainda Guardiães) e até as memórias são proibidas; mas há sempre pequenas rebeliões nas sociedades assim fechadas, mesmo que por vezes elas levem ao enforcamento público ou ao desterro nas Colónias, onde o trabalho é pior do que a morte... Enfim, não é bem o meu tipo de livro, confesso, embora a senhora Atwood tenha bastante imaginação e elegância a narrar; mas, se querem aterrar-se com esta possibilidade de os mais radicais religiosos tomarem conta das coisas (como de resto já está a acontecer no Brasil), leiam-no, antes ou depois de verem a série. Ou de não verem.