Excerto da Quinzena
Estaquei o passo ao me deparar com a porta do nosso apartamento entreaberta. Um nó apertou meu estômago. Quando estava bêbada, Andrea vivia fazendo esse tipo de coisa, esquecer as portas abertas, deixar o controle remoto da televisão dentro da geladeira, perder as chaves. Naquele momento o ar ao meu redor parecia denso de emanações estranhas. Sem saber o que fazer, permaneci por alguns instantes em pé no corredor, tentando descobrir o que provocava aquele pressentimento ruim. Do lado de dentro, a sensação de estranheza persistia: as luzes de quase todos os cômodos estavam acesas e uma voz masculina ecoava do quarto de Andrea. Havia alguém ali com minha mãe?
Abandonada no chão da sala, encontrei com uma pequena toalha branca manchada de sangue. O vermelho intenso, quase negro, parecia obsceno e revelador. O que havia acontecido?, eu me perguntei mais uma vez, o coração batendo acelerado dentro do peito. Minha mãe estava ferida? Por que todas as luzes do apartamento estavam ligadas? Quem era o sujeito que se encontrava em seu quarto? O cheiro ferroso que preenchia a sala me repelia e atraía em igual medida.
Incapaz de desviar os olhos da toalha ensanguentada, pressenti que aquela temporada feliz ao lado de Benjamim havia chegado ao fim.
Victor Vidal, Não Há Pássaros Aqui, Prémio LeYa 2023