Excerto da Quinzena
A mulher idosa olha fixamente para um semáforo no cruzamento. Os flocos que caem à frente dele brilham com tons diferentes à medida que as luzes mudam. Até agora passaram por nós apenas quatro autocarros, todos de rota costeira em ambas as direções. Ninguém parece ter entrado ou saído dos autocarros. Não me lembro de ter visto nenhum deles parar.
[...]
O floco solitário que agora mesmo pousou e se derreteu sobre a minha luva era tão próximo de um imaculado cristal de neve de seis pontas quanto é possível encontrar-se. O que pousa ao lado dele está parcialmente desfeito, mas as quatro pontas que restam retêm a sua forma delicada. Estas dendrites moles e em deterioração são as primeiras a derreter. O minúsculo centro branco, a parte que se assemelha a um grão de sal, demora-se um suspiro antes de se dissolver.
As pessoas dizem «leve como a neve». Mas a neve tem um corpo próprio, que é o peso da sua gota de água.
Han Kang, Despedidas Impossíveis (trad. de Maria do Carmo Figueira e Ana Saragoça), no prelo.