Excerto da quinzena
Nunca cheguei a dizer ao meu avô que o facto de hoje ser biólogo se lhe deve em boa parte. Deixou-nos quando eu tinha 14 anos, talvez demasiado cedo para assimilar por completo os seus ensinamentos. Como gostaria, se ele estivesse entre nós, de esgrimir argumentos e observações com ele sobre esse tema sem fim que é o mundo vivo. E, nos intervalos dessas coversas, talvez ver uma partida de ténis ou de snooker, comer um bom cozido à portuguesa. Nada relativo ao ser humano ou à natureza lhe era estranho, pois era capaz de ver o belo em tudo, até em coisas tidas como mundanas para um intelectual, como o desporto. Contento-me agora com a leitura dos seus livros e ensaios e com memórias felizes como o dia em que me introduziu a Júlio Verne e à sua Ilha Misteriosa, adivinhando que teria o mesmo prazer com as leituras da sua adolescência. Agora que releio os seus livros, imagino-me conversando com ele, discordando dele até mais vezes do que estaria à espera. No fundo, estou eternamente grato pela maior herança que me deixou, o segredo do prazer da vida: a curiosidade.
António Ovídio Baptista Vaz Pato, prefácio a A Ciência no Grande Teatro do Mundo, de António Manuel Baptista