Excerto da Quinzena
O presidente do Brasil, mãe, você o conhece pessoalmente. Ele já foi em casa duas vezes, quando ainda era líder sindical. Você esteve na fundação do partido dele. Esteve ao seu lado na luta pela Anistia, pelas Diretas, pela redemocratização. Até queriam você como suplente de senador do partido dele. Ele foi em casa numa noite em que tudo estava uma bagunça. Eu jogava War na sala com amigos. Tínhamos fumado maconha. Ríamos alto. Você, no quarto.
A Veroca o trouxe com o Geraldinho. Ele entrou, e gargalhamos, pois estávamos bem chapados. Ele nos cumprimentou, riu também, deve ter sentido o cheiro da rua. Claro que não oferecemos. Ele entrou e foi conversar com você sobre os rumos da política brasileira, que se reorganizava, saía da ditadura. Ficamos nos perguntando se deveríamos ou não oferecer maconha ao metalúrgico líder sindical. Melhor não. Naquela época, eu fumava maconha em casa com os amigos. No quarto, na varanda, nunca na sua frente. Depois de você ter descoberto que eu fumava, depois de ter descoberto que meus amigos fumavam, depois de ter descoberto que seus amigos, e amigos que fez já viúva, fumavam, depois de seus amigos que fumavam terem lhe oferecido, e de você não recusar, por educação, por timidez, e ter dado uns pegas, curiosa… e não ter sentido nada, você viu que não era coisa do demônio. Liberou.
Marcelo Rubens Paiva, Ainda Estou Aqui