Excerto da Quinzena
Era uma vez, numa grande floresta, uma pobre lenhadora e um pobre lenhador.
Não, não, não, não, acalmem-se, isto não é o Pequeno Polegar! De modo nenhum. Tal como vocês, detesto essa história ridícula. Onde e quando já se viu pais a abandonarem os filhos por não terem o que lhes dar de comer? Vá lá…
Nessa grande floresta, portanto, reinavam a fome e o frio. Sobretudo no inverno. No verão, um calor sufocante abatia-se sobre a floresta e expulsava o frio. A fome, pelo contrário, era constante, sobretudo naqueles tempos em que grassava a guerra mundial.
A guerra mundial, sim, sim, sim, sim.
Como o pobre lenhador fora requisitado para serviços de interesse público – para benefício unicamente dos vencedores que ocupavam cidades, aldeias, campos e florestas ‒, era portanto a pobre lenhadora que, da aurora ao crepúsculo, percorria a floresta na esperança, frequentemente frustrada, de encontrar com que prover às necessidades do seu magro lar.
Por sorte – há males que vêm por bem –, o pobre lenhador e a pobre lenhadora não tinham filhos para alimentar.
O pobre lenhador agradecia aos céus essa graça todos os dias. A pobre lenhadora queixava-se do facto, mas em segredo.
Não tinha filhos para alimentar, é certo, mas também não tinha filhos para amar.
Por isso, rezava aos céus, aos deuses, ao vento, à chuva, às árvores e até ao sol, quando os seus raios perfuravam o arvoredo, iluminando o matagal com uma transparência feérica. Implorava assim a todas as potências do céu e da natureza que lhe concedessem finalmente a graça da vinda de um filho.
Jean-Claude Grumberg, A Mais Preciosa Mercadoria, trad. de Luísa Benvinda